Antonia – Capítulo 10

Havia uma tatuagem no seu braço direito que ia do ombro até o punho, até hoje eu não consegui distinguir o desenho, parecia demônios e anjos, todos juntos.

Ela parecia assustadora, mas era a única que eu mantinha algum contato. Não perguntei o motivo da sua prisão, sei apenas que não matou ninguém.

Ela ligou o rádio em músicas agitadas – ninguém reclamou.

No dia seguinte, depois do trabalho, voltei para a cela e o radinho estava ligado. Angela, gentilmente, deixou eu mexer nas estações, depois que dei a ela paçoquinha. Aqui é assim, toma lá dá cá. Tudo à base de troca.

Sentei no meu cantinho direito da cela e comecei a rodar o botão preto à procura de algo para ouvir. Umas estavam conversando e outras jogando baralho; naquele momento, eu estava ali sozinha.

Passei várias músicas, mas minha mente não queria ouvir músicas, eu queria algo mais profundo, que preenchesse aquele vazio na minha alma. Ultimamente, estava com vontade de me matar, mesmo trabalhando e ganhando o meu pagamento no final do mês. Eu estava presa, estava sofrendo, nem quando meus pais morreram tive tanta vontade de me matar!

Sabe, tenho sonhado com mortes. Não sei se é porque aqui convivo com pessoas que só falam nisso, mas dentro de mim está fluindo um desejo de morte. Sonho como posso fazer isso. Sonho com cordas amarradas em volta do pescoço, com facas sendo enfiadas na barriga. Essa noite eu sonhei em colocar veneno na comida, dar para as outras meninas e comer também. Às vezes escuto alguém me chamar, fico toda arrepiada. Tenho medo de morrer quando estou dormindo. Minhas companheiras de cela não me aceitam, querem o meu mal.

Sinto uma vontade de morrer como meu pai. Hoje eu entendo o desejo dele de subir naquela árvore e se enforcar… Estou com a mesma vontade. Existe alguém, que fica falando na minha cabeça o tempo todo, que se eu fizer isso vou ter paz. A paz que eu quero, que eu tanto desejo… Diz que vai ser gostoso, que eu não vou sentir dor…Não sei…

Continuo passando as estações a procura de algo que me preencha.

Um homem está falando pausadamente. Paro e ouço. Coloco o rádio no volume baixo e aproximo dos meus ouvidos. A voz dele é mansa…

“Que Deus abençoe a todos abundantemente! Meu amigo e minha amiga, nesse momento, em Nome do meu Deus, do Senhor Jesus, seja liberto de todo o mal que tem afligido o seu coração. Seja liberto de todo sentimento do coração. Eu determino que, nesse momento, haja a proteção do meu Deus em você.”

Ele disse que Jesus ouve a nossa oração quando falamos com fé, crendo, e que Deus não quer que soframos. Ele é real e nos dá autoridade para pisarmos serpentes e escorpiões.

Nessa hora, coloquei minha cabeça para pensar. Se eu estou nesse inferno, então não é da vontade de Deus que isso continue. Não foi Ele quem me colocou aqui. Eu posso fazer uma oração e, crendo na proteção desse Deus apresentado, posso mudar de vida.

Imediatamente fechei meus olhos. Eu não podia me ajoelhar, poderia apanhar por isso. Fiquei imóvel por um momento, desejando ardentemente aquelas palavras maravilhosas de libertação. Finalmente, estava ouvindo algo para mudar a minha vida!

Autora: Meuri Luiza

Deus Me Ama! <3

Mesmo sendo assim,
Pobre pecador, Deus me ama.
Mesmo sendo falho,
Mesmo sem merecer, Deus me ama.

Se estou forte,
Se eu estou de pé Deus me ama.
Se estou fraco,
se eu estou caído Ele não deixa de me amar.

Sem o Seu amor, sem o Seu perdão,
O que seria de mim?
Deus me amou tanto que entregou Seu Filho
Para morrer em meu lugar.

Deus me ama!
E o Seu amor é tão grande, incondicional.
Deus me ama!
e Ele está sempre de braços abertos pra mim.

Thalles Roberto.

Ele está vendo!

“Portanto, meus amados irmãos, sede firmes, inabaláveis e sempre abundantes na obra do Senhor, sabendo que,  no Senhor, o vosso trabalho não é vão.”

 1°Corintios 15:58
                                        

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Deus nos honra em tudo que fazemos. Ele está vendo você, está vendo os sacrifícios que você tem feito em prol da Obra dEle. Ele sabe o quanto você renunciou para agradá-Lo.

Ele tem visto as guerras, as lutas, as perseguições. E Ele vai honrar você. Nada que você tem feito será em vão. Tudo tem um propósito. Confie, fique firme, inabalável e você vai ver o quão majestosa será a recompensa por todos esses desertos.

Antonia – Capítulo 9

 

 

Eu não imaginava que uma criança poderia mudar o olhar de uma mulher que tem coragem de matar. Ela ficou medindo a menina em seu corpo e mostrava que estava muito menor na última vez que a viu. Acho que fazia tempo que não via a filhinha. Percebi que naquele momento seu olhar mudou, não parecia a mulher possuída pelo demônio dos outros dias.

Quem sabe ela não seja ruim, mas sim um mal esteja dentro dela. Sim, porque quando dá ordens para matar, seus olhos ficam escuros, seu semblante se transforma, parece realmente possuída por algo maior que ela; mas, com a filha não, ela se mostrou uma mulher frágil e carinhosa com aquele ser tão pequeno e indefeso, que demostrava seu amor sem querer nada em troca, um amor puro, amor de filha e mãe.

Cadú ficou abraçada com a menina por um bom tempo, parecia não querer mais largá-la.

O tempo das visitas é pequeno, mal dá para matar a saudade. Quando tocou o sinal da despedida, Cadú chorou. Beijou a filha mais uma vez e pegou de suas pequenas mãos o galhinho de flor cor de rosa. Realmente, dentro dela, tem um coração. Nem eu acreditaria nisso se não tivesse visto suas lágrimas.

Todos foram embora, e as presas voltaram cada uma para a sua cela, com fotos, desenhos, presentes, comidas, doces… As paredes ficaram enfeitadas com desenhos e frases das crianças.

Outra coisa que é bacana é quando elas recebem pasta dental e desodorante. Realmente é mais fácil a convivência quando o cheiro é menos agressivo.

A noite foi mais tranquila. Pela manhã recebemos a notícia da menina que estava com tosse, era tuberculose e ficou internada. Todas nós tivemos que fazer exames para ver se alguém havia se contaminado.

No dia seguinte fui chamada na sala da supervisora. Todo mundo lá era tratada por senhora. Eu nem sabia o nome das funcionárias, apenas chamava de senhora.

Ela me disse que por causa do meu bom comportamento poderia trabalhar na ala das operárias durante o dia e à noite voltaria para a minha cela. Recebi essa notícia com muita alegria, afinal, eu teria como ganhar um dinheiro e quando saísse poderia me virar nesse mundo de meu Deus.

Me deram um uniforme cinza, uma calça bem larga e uma camiseta. O tênis era branco e sem cadarço.

Fui, então, levada para a sala de máquinas. Eram muitas máquinas de costura enfileiradas, tinha uma cadeira de madeira e linhas ao lado.

A encarregada me chamou e mostrou minha máquina. Fiquei muito feliz, iria iniciar um trabalho digno. Não via a hora do outro dia chegar. Quando acordei, ainda era noite; esperei a hora do portão abrir e a policial vir me buscar.

Meu coração estava feliz!

No trabalho, apenas o barulho das máquinas. Ninguém conversava, todos ficavam atentos a cada detalhe.

Uma funcionária muito educada me chamou e mostrou como deveria ligar e operar a máquina de costura. Me ensinou a colocar a linha na agulha e passar a reta em cada parte das roupas. Perguntei para onde eram as peças, e ela me respondeu que era para uma empresa de uniformes.

Foi um pouco difícil no começo, toda hora eu a chamava para me ajudar e me orientar. Sempre com sorriso, ela me explicava. Havia algo diferente naquela mulher. O espírito dela não era igual ao das presas, era algo suave e muito gostoso de estar perto. Com o tempo descobri que ela fazia parte daquele grupo evangélico que um dia veio nos visitar.

Levei dois dias para pegar o jeito daquela máquina enorme, mas finalmente consegui. Em uma semana, dominei-a e estava cada dia mais animada com o meu novo serviço.

Quando eu voltava para a cela, estava tão cansada que nem sentia mais os pernilongos me picarem. A gente tinha o horário correto da comida, e ela era servida quentinha.

Um mês se passou, e eu estava aprendendo muito, mas em nenhum momento me esquecia da injustiça feita comigo.

 

Novamente era dia de visitas. Eu não trabalhava no domingo. As famílias vieram visitar as detentas. Presentes e comidas, uma alegria para elas. Ângela recebeu um radinho de presente. Pelo que entendi, sua mãe era evangélica, e ela nunca quis saber de ir junto para a igreja. Foi mesmo para o mundo do crime. Ela usava cabelo vermelho-sangue, com pontas amarelas. Tinha sinal de brincos por todo lado. Como na cadeia não pode entrar com eles, teve que tirar, mas as marcas estavam sob seu rosto todo.

 

Continua…

 

Meuri Luiza

Versículo da Semana

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“Então ele me ensinava e me dizia: Retenha o teu coração as minhas palavras;
Guarda os meus mandamentos e vive, adquire a sabedoria, adquire o conhecimento e não te esqueces das palavras da minha boca, nem delas te apartes.”

                                 Provérbios 4:4 e 5

Antônia – Capítulo 8

Tem mulheres que sofrem a dor da saudade dos filhos. Elas choram escondidas em cima das fotos, dos desenhos que seus bebês fazem. No final da visita tem papel colado por toda parede.

Muitas diminuem a saudade passando os dedos pelos rabiscos feito pelos seus amores.

Uma delas, tem uma linda menina de um ano e meio. A criança está sendo criada pela avó, que é mais pobre que tudo, mora no meio da favela e nem tem leite para dar à pequena. Essa triste e desesperada mãe vende cigarros aqui. O dinheiro que ganha, esconde no colchão e quando sua mãe vem visita-la, entrega em suas mãos o pequeno valor para a compra do alimento da filha.

As vezes penso que a mãe da Mariana só vem visita-la por causa do dinheiro. O olhar dela é frio, não demonstra nenhum amor…

Acredito que ela só está viva aqui nesse inferno, por causa da sua bebê, senão com certeza já teria se matado e saído desse lugar, mesmo que fosse morta.

Teve uma discussão entre elas aqui, isso acontecia todos os dias, mas, dessa vez, elas fizeram o que prometeram. Uma das meninas desafiou a autoridade da Machadinha e, pela manhã, fez a garota beber da própria urina. E disse que da próxima vez ela iria beber da urina das outras presas.

Há outra cujos dentes foram quebrados com socos. Sua boca ficou toda estourada, seus lábios ficaram muito inchados e três dentes jogados no chão.

Aqui se apanha por levantar os olhos, ou nem por isso, se elas não gostam de você lhe matam, é simples.

Eu ainda não sou aceita aqui e nem quero mesmo. Quero sair logo desse inferno. Continuo dormindo no chão, no canto direito da cela. Os pernilongos e percevejos são incontáveis, existem por todo lado. Minha perna está em carne viva de tantas picadas.

Essa noite não consegui dormir. Uma das detentas estava tossindo muito, a menina ardia em febre. Era uma tosse grossa, muito carregada com sangue e pus. Há alguns dias eu reparei que ela não estava se alimentando – também, a comida é horrível – emagreceu bastante e estava muito debilitada. Pela manhã, quando chegou o desjejum, ela não comeu. Seu pão emborrachado foi tragado pela Machadinha. Ela recebeu esse nome porque matou seu companheiro com uma machadinha, esquartejou o corpo dele e colocou no porta malas do carro. Pois é, são com essas pessoas que eu estou compartilhando uma cela… Eu, que não fiz nada. Por isso não aceito essa injustiça comigo!

Passo meus dias sem falar com ninguém, nem ouso levantar meus olhos. Se alguma delas perceber que estou olhando para a sua direção, posso apanhar até morrer.

Chegou domingo, é dia de visitas. Os familiares chegam por volta das 14h para visitar as meninas. Às vezes fico na esperança de aparecer alguém para me visitar… Mas quem? Eu não tenho ninguém. A minha irmã nem sabe que estou aqui, e nem quero que saiba, ela pode ficar preocupada e não quero isso. Outro dia, vieram alguns evangélicos e trouxeram uns livros. Conversaram conosco e deram uma palavra de paz…

Paz, uma palavra tão pequena mas tão importante nesse lugar, porém algo impossível… Queria tanto que eles voltassem…

Geralmente quem visita são mães e filhas. Elas são revistadas, e nem todo tipo de comida pode entrar. Algumas levam sabonetes e shampus, outras chocolates e doces, outras não levam nada, apenas o amor… Isso já é o suficiente para quem vive no inferno.

Reparei que algumas meninas ficam nas celas, como eu, porque não tem ninguém que as visite. As outras ficam no pátio com os seus. Vi uma menina linda, de uns quatro anos, gritar a palavra “mãe”. Ela correu em direção a alguém. Não pude deixar de acompanhar os passos da garotinha a fim de descobrir quem era a sua mãe. Para a minha surpresa, é filha de Cadú, a detenta mais temida da cadeia. Ela é a chefe de alguma coisa lá fora e domina a área de dentro também. Todos a respeitam e a obedecem. Foi ela quem deu ordem para bater até matar a Ana.

 

Meuri Luiza