Antônia – Capítulo 11

Ele disse para colocarmos as mãos no rádio e, com os olhos fechados, determinar a nossa mudança. Eu fiz isso! Sim, eu fiz com toda fé da minha alma.

No término da oração, eu estava leve. Parecia que um peso enorme havia saído de cima das minhas costas. Aquele desejo de me enforcar, como fez meu pai, não estava mais.

Respirei fundo e sorri.

Aquela foi a noite mais deliciosa da minha vida. Eu estava em paz comigo mesma.

Três dias se passaram, e eu sustentava aquela palavra do homem do rádio em meu coração. Não sabia quem era ele, mas sei que houve uma mudança dentro de mim.

Acordei cedo e fui para o trabalho. No horário do almoço, a supervisora chegou com a Cadú. Chamou minha atenção, e fui levada até a sua sala.

Eu estava sendo punida por ter roubado uma foto sem nunca ter visto essa foto.

Vi nos olhos dela o ódio novamente. A supervisora disse que, para o meu bem, me colocaria na solitária por aquela noite.

Eu não entendi nada e fiquei muito revoltada! Briguei com aquele Deus do homem do rádio. Se Ele estava me protegendo, por que me colocaria numa solitária, mesmo sabendo que eu não fiz nada? Mais uma injustiça na minha vida! Eu não aguento mais!!

Passei uma noite, um dia e mais outra noite lá dentro. Sozinha, sem ver ou ouvir ninguém. A comida era colocada em baixo da porta por uma fresta muito pequena, em que  cabia somente a pequena marmita. Mesmo sem entender nada, ainda assim, havia paz dentro de mim.

Na manhã da minha saída da solitária, tive que ficar esperando ordens até o meio dia. Me deixaram ver o que estava acontecendo pela janela, já que eu não oferecia risco para ninguém.

Meu coração estremeceu com as cenas que vi. As presas fizeram uma rebelião. Queimaram colchões e, junto com eles, queimaram sete meninas vivas. O cheiro era insuportável: cheiro de carne queimada, além disso, havia muito sangue no chão. Muita gente foi espancada. O inferno atacou novamente. Acho os demônios passaram por lá…

A menina que me emprestou o rádio foi uma delas, queimada viva. Amarraram as espumas dos colchões em seus corpos e prenderam com tiras de camisetas. Atearam fogo com álcool. Isso tudo aconteceu na madrugada em que eu fui para a solitária… Deus me livrou… Essa seria a grande oportunidade delas me matarem.

Eu ouvi a palavra daquele homem no momento certo. Era para ser meu corpo carbonizado naquele chão!

Médicos escoltados, por policiais fortemente armados, estavam cuidando das vítimas… as que sobraram…

As presas que fizeram isso tudo foram transferidas para outra penitenciária, agora de segurança máxima. Elas eram loucas e possuídas. Sei que dentro delas tem um bom coração, mas existe algo que realmente fala na cabeça delas, porque não é possível um ser humano ser tão ruim assim, ter tanto desejo por sangue. Machadinha foi transferida junto com Cadú. Agora, nem visitas elas poderão receber. Eu queria dar aquele radinho para uma delas, quem sabe a paz entra nelas como entrou em mim.

Meuri Luiza

Antonia – Capítulo 10

Havia uma tatuagem no seu braço direito que ia do ombro até o punho, até hoje eu não consegui distinguir o desenho, parecia demônios e anjos, todos juntos.

Ela parecia assustadora, mas era a única que eu mantinha algum contato. Não perguntei o motivo da sua prisão, sei apenas que não matou ninguém.

Ela ligou o rádio em músicas agitadas – ninguém reclamou.

No dia seguinte, depois do trabalho, voltei para a cela e o radinho estava ligado. Angela, gentilmente, deixou eu mexer nas estações, depois que dei a ela paçoquinha. Aqui é assim, toma lá dá cá. Tudo à base de troca.

Sentei no meu cantinho direito da cela e comecei a rodar o botão preto à procura de algo para ouvir. Umas estavam conversando e outras jogando baralho; naquele momento, eu estava ali sozinha.

Passei várias músicas, mas minha mente não queria ouvir músicas, eu queria algo mais profundo, que preenchesse aquele vazio na minha alma. Ultimamente, estava com vontade de me matar, mesmo trabalhando e ganhando o meu pagamento no final do mês. Eu estava presa, estava sofrendo, nem quando meus pais morreram tive tanta vontade de me matar!

Sabe, tenho sonhado com mortes. Não sei se é porque aqui convivo com pessoas que só falam nisso, mas dentro de mim está fluindo um desejo de morte. Sonho como posso fazer isso. Sonho com cordas amarradas em volta do pescoço, com facas sendo enfiadas na barriga. Essa noite eu sonhei em colocar veneno na comida, dar para as outras meninas e comer também. Às vezes escuto alguém me chamar, fico toda arrepiada. Tenho medo de morrer quando estou dormindo. Minhas companheiras de cela não me aceitam, querem o meu mal.

Sinto uma vontade de morrer como meu pai. Hoje eu entendo o desejo dele de subir naquela árvore e se enforcar… Estou com a mesma vontade. Existe alguém, que fica falando na minha cabeça o tempo todo, que se eu fizer isso vou ter paz. A paz que eu quero, que eu tanto desejo… Diz que vai ser gostoso, que eu não vou sentir dor…Não sei…

Continuo passando as estações a procura de algo que me preencha.

Um homem está falando pausadamente. Paro e ouço. Coloco o rádio no volume baixo e aproximo dos meus ouvidos. A voz dele é mansa…

“Que Deus abençoe a todos abundantemente! Meu amigo e minha amiga, nesse momento, em Nome do meu Deus, do Senhor Jesus, seja liberto de todo o mal que tem afligido o seu coração. Seja liberto de todo sentimento do coração. Eu determino que, nesse momento, haja a proteção do meu Deus em você.”

Ele disse que Jesus ouve a nossa oração quando falamos com fé, crendo, e que Deus não quer que soframos. Ele é real e nos dá autoridade para pisarmos serpentes e escorpiões.

Nessa hora, coloquei minha cabeça para pensar. Se eu estou nesse inferno, então não é da vontade de Deus que isso continue. Não foi Ele quem me colocou aqui. Eu posso fazer uma oração e, crendo na proteção desse Deus apresentado, posso mudar de vida.

Imediatamente fechei meus olhos. Eu não podia me ajoelhar, poderia apanhar por isso. Fiquei imóvel por um momento, desejando ardentemente aquelas palavras maravilhosas de libertação. Finalmente, estava ouvindo algo para mudar a minha vida!

Autora: Meuri Luiza

Antonia – Capítulo 9

 

 

Eu não imaginava que uma criança poderia mudar o olhar de uma mulher que tem coragem de matar. Ela ficou medindo a menina em seu corpo e mostrava que estava muito menor na última vez que a viu. Acho que fazia tempo que não via a filhinha. Percebi que naquele momento seu olhar mudou, não parecia a mulher possuída pelo demônio dos outros dias.

Quem sabe ela não seja ruim, mas sim um mal esteja dentro dela. Sim, porque quando dá ordens para matar, seus olhos ficam escuros, seu semblante se transforma, parece realmente possuída por algo maior que ela; mas, com a filha não, ela se mostrou uma mulher frágil e carinhosa com aquele ser tão pequeno e indefeso, que demostrava seu amor sem querer nada em troca, um amor puro, amor de filha e mãe.

Cadú ficou abraçada com a menina por um bom tempo, parecia não querer mais largá-la.

O tempo das visitas é pequeno, mal dá para matar a saudade. Quando tocou o sinal da despedida, Cadú chorou. Beijou a filha mais uma vez e pegou de suas pequenas mãos o galhinho de flor cor de rosa. Realmente, dentro dela, tem um coração. Nem eu acreditaria nisso se não tivesse visto suas lágrimas.

Todos foram embora, e as presas voltaram cada uma para a sua cela, com fotos, desenhos, presentes, comidas, doces… As paredes ficaram enfeitadas com desenhos e frases das crianças.

Outra coisa que é bacana é quando elas recebem pasta dental e desodorante. Realmente é mais fácil a convivência quando o cheiro é menos agressivo.

A noite foi mais tranquila. Pela manhã recebemos a notícia da menina que estava com tosse, era tuberculose e ficou internada. Todas nós tivemos que fazer exames para ver se alguém havia se contaminado.

No dia seguinte fui chamada na sala da supervisora. Todo mundo lá era tratada por senhora. Eu nem sabia o nome das funcionárias, apenas chamava de senhora.

Ela me disse que por causa do meu bom comportamento poderia trabalhar na ala das operárias durante o dia e à noite voltaria para a minha cela. Recebi essa notícia com muita alegria, afinal, eu teria como ganhar um dinheiro e quando saísse poderia me virar nesse mundo de meu Deus.

Me deram um uniforme cinza, uma calça bem larga e uma camiseta. O tênis era branco e sem cadarço.

Fui, então, levada para a sala de máquinas. Eram muitas máquinas de costura enfileiradas, tinha uma cadeira de madeira e linhas ao lado.

A encarregada me chamou e mostrou minha máquina. Fiquei muito feliz, iria iniciar um trabalho digno. Não via a hora do outro dia chegar. Quando acordei, ainda era noite; esperei a hora do portão abrir e a policial vir me buscar.

Meu coração estava feliz!

No trabalho, apenas o barulho das máquinas. Ninguém conversava, todos ficavam atentos a cada detalhe.

Uma funcionária muito educada me chamou e mostrou como deveria ligar e operar a máquina de costura. Me ensinou a colocar a linha na agulha e passar a reta em cada parte das roupas. Perguntei para onde eram as peças, e ela me respondeu que era para uma empresa de uniformes.

Foi um pouco difícil no começo, toda hora eu a chamava para me ajudar e me orientar. Sempre com sorriso, ela me explicava. Havia algo diferente naquela mulher. O espírito dela não era igual ao das presas, era algo suave e muito gostoso de estar perto. Com o tempo descobri que ela fazia parte daquele grupo evangélico que um dia veio nos visitar.

Levei dois dias para pegar o jeito daquela máquina enorme, mas finalmente consegui. Em uma semana, dominei-a e estava cada dia mais animada com o meu novo serviço.

Quando eu voltava para a cela, estava tão cansada que nem sentia mais os pernilongos me picarem. A gente tinha o horário correto da comida, e ela era servida quentinha.

Um mês se passou, e eu estava aprendendo muito, mas em nenhum momento me esquecia da injustiça feita comigo.

 

Novamente era dia de visitas. Eu não trabalhava no domingo. As famílias vieram visitar as detentas. Presentes e comidas, uma alegria para elas. Ângela recebeu um radinho de presente. Pelo que entendi, sua mãe era evangélica, e ela nunca quis saber de ir junto para a igreja. Foi mesmo para o mundo do crime. Ela usava cabelo vermelho-sangue, com pontas amarelas. Tinha sinal de brincos por todo lado. Como na cadeia não pode entrar com eles, teve que tirar, mas as marcas estavam sob seu rosto todo.

 

Continua…

 

Meuri Luiza

Antonia – Capítulo 7

 

 

Por alguns segundos, minha mente voltou ao passado, me fazendo lembrar os dias em que brincava com minha irmã no milharal… Minha irmã … Tenho que sair daqui para cuidar dela…  inclinei minha cabeça e chorei.

Vi pessoas muito bonitas de terno e gravata passando de um lado para o outro. As mulheres de preto ou de cinza, com seus terninhos apertados e saltos. O perfume delas era muito bom, usavam maquiagem e estavam sempre com muito papel e pastas em baixo do braço. Fiquei com vergonha… A chuva molhou meu cabelo e minha roupa, estava cheirando a cachorro molhado. Eu me sentia e era um lixo.

Sem saber, fiz um movimento para coçar minha perna, e as algemas se apertaram em meu pulso ainda mais. Senti muitas dores, parecia que estava rasgando a minha pele. Tentei falar com uma policial que estava perto, mas ela me mandou calar a boca.

Tive vontade de chorar…Eu estava sendo desprezada, humilhada, não tinha ninguém, estava com fome, suja… Eu era sozinha… Não resisti e chorei. Havia uma vazio muito grande dentro de mim. O desespero é imenso. A humilhação que uma presa passa é muito grande.

Naquele dia, o policial não me deixou falar nada, tudo o que parecia não era. Nunca trafiquei, nunca roubei, nunca me prostituí. Eu só queria lavar o vidro dos carros para ganhar uns trocados e comer…

Alguém chamou o meu nome. Fui puxada pela camiseta e levada até uma sala. Me tratavam como um bicho.

Tudo muito bonito, móveis escuros e grandes. Dois policiais armados entraram comigo, um de cada lado. Uma juíza mandou eu me sentar. As algemas doíam tanto que tive que pedir:

– Senhora, pelo amor de Deus, dá para afrouxar um pouco essa algema? Eu estou morrendo de dor.

Ela balançou a cabeça autorizando. Quanto alívio em meus punhos, mas isso não impediu que eu sentisse o sangue correndo pelas minhas mãos.

Muitas perguntas foram feitas, inclusive sobre a minha família. A doutora achou estranho eu não ter documentos, achou que eu estava mentindo, mas expliquei que de onde eu vim isso não existia:

–  A gente, lá no sertão, não tem documento para nada, tudo é feito por base de confiança na palavra da pessoa. Além disso, quando meus pais morreram, eu era pequena, e não haviam me registrado no cartório por ser muito longe, nem a minha irmã tem registro.

Ela me ouviu atentamente, escreveu algo em um papel e me mandou sair da sala. Chamou outro nome, e assim por diante. Todas nós fomos atendidas. Eu até tentei dizer minha idade, mas acho que ela não acreditou. Devido o trabalho no sertão, nossa pele fica grossa de tanto sol e nossa aparência é muito mais velha do que somos…

Por volta das 15h, voltamos para o presídio. Voltei para a cela. O horário do almoço já havia passado e ninguém pegou a minha marmita. Mais uma vez me senti um lixo e sozinha. Fiquei com fome até a noite, quando chegou o mingau de arroz. Eu nem senti o gosto ruim dele, queria mesmo acabar com a minha fome.

Aqui na cadeia tem gente de todo tipo. Mulheres que mataram seus familiares ou alguém desconhecido; que roubaram; traficaram; e outras são um tal de 171. Aqui tem gente muito ruim, que quer, a todo momento, derramar sangue. Parece que elas procuram briga para fazer guerras. Os palavrões são todo tempo, os xingamentos e mentiras são inúmeros. Aqui dentro, o diabo reina, é o senhor dessas meninas.

Uma delas é chefe de alguma coisa no morro. Ela dá ordem daqui de dentro e a pessoa lá fora é morta. Eu não entendo como alguém que está presa em uma cela pode dar ordens aqui e outras pessoas lá fora executarem. É incrível! Uma palavra dela aqui move o mundo de lá…

 

Continua

Autora: Meuri Luiza

Antonia – Capítulo 6

 

 

Uma é diferente da outra. Marta foi presa por porte de armas e homicídio. Ângela e mais quatro delas, porque estavam traficando. A loira, que não sei o nome, matou o filho e nem se lembra. Depois ficou chorando sobre o corpo dele. Ana Claudia decapitou o marido. Ela disse que ele estava traindo-a com a vizinha. Sua vontade era de matar a vizinha também, mas a polícia chegou na hora e a prendeu. Todas estavam esperando por julgamento. Nenhuma mostrava arrependimento.

Eu queria entender porque estava lá. Não havia motivos. Eu estava trabalhando na hora que a polícia chegou, mas eles não acreditaram em mim. Talvez, também, porque não tenho documentos… Minha pele é queimada do sol e tenho aparência muito mais velha do que sou.

A saudade de casa é muito grande. O sonho de ser alguém com o tempo vai sumindo de dentro da gente. Não há perspectiva de mudança. Não existe uma luz no fim do túnel. Para quem é detento, não há mais chance de felicidade… pelo menos é o que a gente pensa aqui dentro.

Cada uma tem uma história diferente. É um lugar de muita dor e muito frio. Há relatos de mulheres que mataram e nem sabem que o fizeram. Disseram que quando deram por si, havia um corpo ensanguentado em sua frente e sua roupa coberta do sangue do cadáver.

Outras querem sair da vida do tráfico, mas não conseguem. Sozinha é muito difícil, acho que é impossível.

Tem uma viciada na cela ao lado. Ela treme muito quando fica sem a cocaína, mas quando consegue a droga delira dizendo estar vendo pessoas que ninguém vê.

Tinha medo de dormir e me matarem. Ficava no canto da cela. Não tinha colchão, dormia sentada no chão. Elas não me aceitaram e me olhavam sempre com ódio, querendo comer o meu fígado. Do jeito que elas eram, podiam até comer mesmo.

No dia seguinte, o almoço novamente foi servido. Desta vez, olhei para o alumínio e reparei no que estava dentro. Um arroz grudento e caroços de feijão seco. Não tinha sabor. Uma delas me relatou que eles juntam todo o resto da comida, lavam novamente e requentam com cebola. Eu achei estranho, mas o gosto não era de comida feita naquele dia… Novamente o pãozinho estava emborrachado.

 

Quatro meses se passaram e eu estava na mesma situação. O desespero começou a tomar conta de mim, porque não tinha  ninguém para telefonar,  ninguém para pedir ajuda, eu não sabia o que fazer…

 

Comecei a usar as roupas do presídio. Um uniforme rosa e cinza. A camiseta era lavada e estendida nas grades. O cheiro forte de suor não saía com água, isso quando a gente conseguia lavar a roupa.

Dentro da cadeia cheira podre. Restos de comida ficam do lado de fora da cela, porque, às vezes, a marmita cai, e a presa fica sem o alimento.

 

Mais duas semanas se passaram e uma policial chamou alguns nomes pela manhã, o meu estava no meio. Disseram que era dia de irmos até o Fórum, não sabia ao certo o que seria isso, só sabia que o meu nome estava lá.

Tomamos banho e colocamos camisetas limpas. Estavam amarrotadas, porém limpas. Ficamos em fila, uma atrás da outra. O dia estava chuvoso, a água descia do céu e molhava o nosso corpo. O tênis era sem cadarço. Não podia usar brincos, correntes, cintos, anéis ou relógios. Se bem que eu não tinha nada disso. Então, não fez nenhuma diferença para mim. Uma policial nos revistou. É deprimente o jeito que colocam as mãos na gente… dá para perceber a raiva que elas têm das presas.

Enfim, subimos em um caminhão todo fechado e cheio de pernilongos. Não havia janelas, o lugar era escuro e muito, muito abafado. Era dividido por uma chapa de metal e possuía um banco com capacidade para oito pessoas. Cinco meninas ficaram em pé. O motorista parecia que estava tirando o pai da forca de tanto que corria, e o barulho da sirene era ensurdecedor.

Não dava para ficar parada em um só lugar de tanto que o caminhão ia pra lá e pra cá. Saí dele com muito enjoo. Levou mais ou menos uns 20 minutos até o Fórum. Eu não sabia quem era o Fórum, depois percebi que não era gente, e sim um lugar onde o juiz iria conversar conosco. Antes de descermos, a policial nos algemou. Três policiais ficaram nos vigiando com a arma em punho. Uma delas mandou eu colocar as mãos para trás e ateou as algemas em meu braço. Foi apertando até eu dar um gemido, aquilo incomodava muito. Ela riu de mim. Seu hálito tinha cheiro de cravo da índia, tipo aqueles que a minha mãe colocava na canjica…

Que saudade daquele tempo…Eu era feliz e não sabia.

 

Continua…

Meuri Luiza

Antonia – Capítulo 5

Elas batiam nas grades e faziam muito barulho. Eu não acreditei que alguém teria coragem de fazer isso… Mas fizeram. Dez mulheres em cima dela. Uma baixinha invocada rasgou pedaços da camiseta de Ana e amarrou seus braços e pernas. Ela ficou com as mãos e pés amarrados nas costas. Muitos chutes foram dados em sua barriga, acho que ela estava grávida. Levantaram o rosto dela para trás, puxando seus cabelos, e muitos socos ela levou na boca. Muito sangue era jorrado no chão. Seus olhos ficaram inchados e roxos. Percebi que ela não tinha mais força…Estava morrendo…

Comecei a chorar no canto da parede.

Queria socorrê-la, mas se eu falasse qualquer coisa, com certeza seria a próxima. Quanto desespero! Meu coração não estava aguentando ver tudo aquilo. Eu não conhecia a moça, mas, por pior que ela fosse, ninguém teria o direito de matá-la assim.

Acho que todas estavam acostumadas a ver aquelas cenas. Enquanto umas tomavam sol, outras conversavam sem nem olhar para o centro da quadra. Eu estava no desespero, vendo aquela situação. Me lembrei de minha irmã. Naquele momento, uma policial deu um grito. Com a arma em punho deu voz para todas saírem de perto da quase morta. Atrás dela vieram mais sete policiais homens, todos com as armas em punho.

As presas se afastaram e riram. Os policiais entraram e arrastaram Ana para fora do pátio. Só ouvi o barulho da sirene do carro da polícia. Creio que a levaram para o hospital.

No dia seguinte, recebemos a notícia de que Ana havia morrido. Ela não suportou os ferimentos. Realmente ela estava grávida de três meses e deixou uma filha de sete anos. Coitada da menina. Coitada da Ana! É assim que vivem essas mulheres… sem esperança e sem vida…

 

Trouxeram o nosso almoço. Eu estava com muita fome. Dois dias sem comer. No primeiro dia, as presas da cela comeram minha comida; no segundo, não tivemos alimentação, porque nos castigaram devido ao acontecido com Ana.

Eu nem esperei a comida chegar. Coloquei meus braços para fora da cela e alcancei a minha marmita. Nem precisei de garfo, comi com as próprias mãos, tamanha era a minha fome.

Minhas mãos ficaram fedidas de óleo, minha boca estava amarga, mas meu estomago estava forrado, minha fome passou.

Limpei-me na camiseta velha e rasgada que já estava em meu corpo há três dias. O mau cheiro dela já estava sendo exalado. Eu estava suja. Queria muito tomar um banho, mas a água é racionada e tem um gosto horrível de cloro. À noite eles serviram um mingau de arroz sem açúcar. Estava horroroso, mas eu comi mesmo assim.

Outro dia iniciou-se. Colocaram o café da manhã nas grades. Um saquinho de leite pequeno de 200ml e um pão emborrachado com margarina derretida por causa do calor.

Meu desejo era de escovar os dentes. Meu hálito estava terrível e o meu suor estava pelo corpo todo. Isso foi suficiente para uma delas invocar comigo. O olhar era estranho, parecia não ser humano. Ela se transformou e veio em cima de mim. Uma mulher de 90 kilos me pegou pelo pescoço, levantou meu corpo franzino e me jogou no chão. Com chutes na barriga foi me jogando para perto da parede. Fiquei acuada e sem reação. O medo estava estampado em meu rosto. Comecei a me encolher, tentando me proteger, quando de repente, ela saiu de perto de mim e foi para o outro lado. Ninguém esboçou nenhuma reação. Estavam conversando entre si e ali permaneceram.

Naquela noite eu chorei de tanta dor e não tinha ninguém para me dar remédio e cuidar de mim.

Me lembrei de minha mãe, que um dia, eu com dores de barriga, me  fez um chá. Me colocou em seu colo e fez massagens com suas santas mãos…

Aqui somos sozinhas. Não confiamos em ninguém. Não somos amadas. Até a família de muitas presidiarias, as odeiam e as condenam.

A cela é muito pequena, deve dar mais ou menos cinco passos para a direita e quatro passos para a esquerda. Estávamos em doze meninas…

 

 

Continua…

Antonia – Capítulo 4

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Pela manhã me levantei e fui a procura de emprego. Rodei as ruas até minhas pernas não aguentarem mais, mas não consegui achar nada. Eu não tinha documentos nem carta de referência, e não havia trabalhado em nenhum outro lugar antes. Estava muito difícil!

Os dias se passaram e meu dinheiro acabou. Não consegui trabalho, não enviei nada para a minha irmã, e agora não tinha mais como ficar no albergue.

Implorei para a mulher estranha me deixar ajudar a limpar os quartos em troca de lugar para dormir. Ela gritou comigo, dizendo que sem dinheiro nessa vida não se faz nada.

Naquela noite resolvi limpar os vidros dos carros no semáforo. Havia umas mulheres vendendo drogas ao lado. Não quis ficar perto, não queria confusão. Eu somente soube que eram drogas porque ouvi os comentários e muita gente chegando para comprar. De repente vieram quatro carros de polícia, ninguém teve tempo nem para piscar. Eles cercaram o local e tivemos que ficar deitados no chão. Tentei explicar que eu não tinha nada a ver com aquilo, mas eles não me ouviram. Eu estava com uma roupa velha, chinelo de borracha e cabelo preso com um elástico. Acho que eles pensaram que eu também era traficante. Pediram meus documentos, mas eu não tinha. Onde eu morava não havia documentos, tampouco a gente assinava alguma coisa, tudo era tratado de boca a boca, à base da confiança.

Tentei falar, porém eles não me ouviam.

Fui jogada dentro do porta malas do carro junto com outras duas meninas. Uma morena e outra ruiva. Olhei para as mãos de uma delas, estavam com os dedos escuros – creio que era por causa do cigarro. O olhar delas era de angustia e, ao mesmo tempo, de ódio. Pude sentir a dor delas.

Tinha a certeza de que seria solta naquela mesma noite, afinal, eu não tinha nada a ver com aquilo tudo.

A morena disse que não queria voltar para o inferno. Também não compreendi sua frase, até a manhã seguinte…

Fui lançada em uma cela. Apenas me jogaram lá e não me perguntaram nada…

Meu estômago estava doendo de fome, minha cabeça doía. Uma policial chegou perto das grades e perguntou o meu nome. Respondi Antônia. Pediu os documentos. Disse que não tinha. Perguntou sobre os meus pais, sobre a minha família, onde eu morava. Eu não tinha ninguém, apenas a minha irmã. Ela riu e saiu.

Um homem com uma barriga grande mandou me chamar. Perguntou se eu tinha advogado. Eu nem sabia o que era isso. Perguntou se eu tinha dinheiro para pagar um. Disse que não. Novamente outro riso. Ele chamou outro policial e me colocaram em outra cela; nessa, agora, havia muitas meninas. Eram sete, comigo oito. Não fui aceita lá…

– Garota, aqui quem manda é a gente. Você vai dormir no chão e comer somente o que a gente der. A partir de agora a sua comida é a nossa comida.

Enquanto a loira alta falava daquela forma comigo, as outras seis ficaram com os braços cruzados me olhando com muito ódio. Tive muito medo… me encolhi no canto da cela, coloquei os meus joelhos junto ao meu corpo e tive vontade de morrer…

Eu não havia feito nada, estava trabalhando no semáforo, queria apenas me alimentar e pagar um lugar para dormir…

Eu estava conhecendo o inferno que a menina havia falado na viatura. Eu fui apresentada ao inferno…

Naquele dia, houve uma rebelião na prisão. As presas já haviam combinado como seria. Quando as portas se abriram para tomarmos sol, todas saíram juntas gritando: “Ana é morta!”

Eu fiquei atrás, tive medo de sair, mas uma delas me empurrou com tanta força que caí no chão e machuquei o meu joelho. Olhei para o centro da quadra e uma moça de uns vinte e cinco anos estava estirada  com o rosto no chão. Todas começam a gritar:

– Hora da morte! Hora da morte!

Antonia – Capítulo 3

 

 

Fui para a rede chorar um pouco. Eu tirei a rede do pai e da mãe e troquei por mais duas galinhas há três semanas. Sei que daqui a pouco vou ter que matar as galinhas para a nossa alimentação. Não sei fazer esses animais se multiplicarem, tampouco fazer um plantio de mandioca ou de milho se transformar em uma fonte de renda para a gente. Sou uma menina ainda, não sou adulta!

Muitas responsabilidades foram colocadas em minhas costas antes mesmo de eu ser mulher! Será que ninguém pode me ajudar? Não é necessário ajuda financeira, apenas dar instruções de como pode ser feito…

Há um homem na cidade que é muito inteligente. Sempre que vou trocar leite por feijão, vou até a venda dele. É o único que aceita esse tipo de troca. Outro dia eu pedi a orientação dele. Ele me olhou de cima a baixo e disse umas coisas que não entendi. Só sei que não gostei do seu olhar, achei muito esquisito. Meu pai nunca me olhou daquela forma…

Os anos foram se passando e nossa vida sempre na mesma, ou melhor, piorando cada vez mais.

Eu não poderia deixar a minha irmã passar fome, mas naquele lugar a gente iria morrer. Resolvi, então, fazer uma tentativa. Era a única saída, não tinha outro jeito. Fui até o nosso vizinho, aquele que ajudou a tirar meu pai morto da árvore. Pedi que ficasse cuidando da Márcia, pois eu iria para outro estado tentar a vida. Do jeito que estávamos, não teríamos nenhuma chance de sobrevivência. Essa era a única luz que eu via no fim do túnel. Prometi que enviaria dinheiro para ajudar nas despesas dela. Eu me sentia mais segura deixando-a com uma família. Arrumamos suas coisinhas, tinha pouquíssima roupa e apenas um par de sandálias. Coloquei em duas sacolas e levei-a para casa da Zefa. Meu coração apertou tanto que não contive as lágrimas. Sofri muito ao deixá-la, mas tinha que ser assim.

Pedi ao Seu Dito para vender a casa, mas não tinha documentação nenhuma. Lá, naquele fim de mundo, a gente conversava e fazia negócios à base de palavras. Nossa palavra tinha muito poder e confiança. O dinheiro que ele conseguia era para suprir as despesas da Márcia. Minhas coisas deram apenas em uma sacola. Prendi meu cabelo com um elástico e fui para a estrada, a fim de pegar uma carona. Levou mais ou menos duas horas para passar um caminhão. Fiquei esperando naquele sol ardente que comia a nossa pele. Enfim, a carona chegou.

Um senhor parou e entrei em seu caminhão vermelho, enferrujado, todo coberto de terra e tão quente que mal dava para respirar. Ele era muito simpático, lembrava meu pai… Tenho saudades de meus pais. Eles fazem muita falta. Cheguei à cidade grande. Era grande mesmo.

Pessoas lindas circulando pelas ruas. Havia carros por todo lado. Fiquei um tanto assustada. Não tinha muito dinheiro, apenas duzentos reais para arrumar um lugar para passar a noite e conseguir um emprego. O senhor do caminhão me disse que conhecia um albergue que aceitava meninas, era barato e eu poderia passar a noite lá.

Ele me deixou na porta. Era um lugar feio, todo sujo. Pessoas estranhas passavam por ali, diferentemente do centro da cidade. Tive sorte, havia um quarto vago. A mulher da recepção primeiro quis o pagamento da diária, para depois me deixar entrar. Coloquei a minha sacola dentro de um guarda-roupa de duas portas todo descascado.

A cama era pequena, o colchão duro, porém, não fazia diferença para quem dormia em rede. As paredes eram beges, tinha bolor, toda descascada, não valia o preço que pediam na diária, mas era tudo o que eu tinha. Viajei o dia todo e quando cheguei já era noite; queria descansar um pouco. Naquela noite, antes de desmaiar de tanto sono, chorei… estava me sentindo sozinha e com medo daquela cidade imensa…

 

Continua.

Meuri Luiza

Antonia – Capítulo 2

 

 

Em uma manhã, eu fui pegar algumas mandiocas para cozinhar e comer e vi alguma coisa pendurada na árvore. Minha irmã estava dormindo. Eu cheguei perto e quase desmaiei. Minhas pernas estremeceram, meu coração disparou e as lágrimas caíram sem parar dos meus olhos. Meu choro foi tanto que cheguei a soluçar. Vi meu pai com uma corda no pescoço. Seus braços estavam soltos, a língua para fora, os olhos muito abertos olhando para mim e seu rosto muito roxo. Ele se enforcou com uma corda que tínhamos para amarrar os barris. Nunca mais vou me esquecer dessa cena. Não queria que minha irmã visse, mas não consegui evitar. Ela acordou e veio atrás de mim. Quando percebi, a pequena Marcinha estava ajoelhada no chão de terra vermelha com as mãos na boca. Eu me lembro como se fosse hoje, pegamos o carro de boi e fomos até nosso vizinho. Contamos o acontecido, e ele, juntamente com seus dois filhos, foram até a árvore.

Tiraram o pai de lá e o enterraram ao lado da nossa mãe. Fizeram mais uma cruz. Agora, ela não estava torta.

Meu pai não conseguiu ser forte, ele se matou. Ouvi dizer que quem se mata vai para o inferno. Então, ele deve estar lá.

Enfim, ficamos sozinhas, eu e minha irmã em um sertão sem fim. Aprendemos a pegar água do riacho… Claro que trazíamos muito menos água do que meu pai, a gente quase não tinha forças… Nós paramos de brincar no galinheiro com as galinhas e nem fazíamos mais bonecas de espigas de milho. O nosso tempo era remido.

Eu tinha que sustentar a casa agora. Eu, simplesmente eu, uma menina com 15 anos de idade, tinha que sustentar a irmã com 13. Por isso, virei a sua mãe, a sua protetora, a sua vida. Ela se baseava em mim para tudo. Eu não poderia jamais deixá-la de lado. Tive uma filha sem ficar grávida.

O tempo foi passando e a vida ficou muito dura para nós. Acordávamos ainda de noite para buscar leite na casa vizinha. O pai de família chamado Seu Dito – era Benedito, mas todo mundo o conhecia por Dito – era casado com a Zefa – acho que o nome todo era Josefa, não sei bem, eu não tinha tempo nem para conversar mais e saber da vida das pessoas.

Ele dava todo dia um litro de leite tirado diretamente da vaca para nós, mas tinha uma condição: a gente tinha que ir lá buscar. Ele nem se importava se éramos pequenas; se a gente não fosse lá, não tinha leite. Não sei se minha mãe agiria assim com um vizinho que não tem pai e mãe…

Nós não tínhamos geladeira, então o leite teria que ser consumido no dia, senão talhava.

Eu não tinha dinheiro para comprar açúcar, por isso o leite era aferventado em uma vasilha de alumínio e a gente bebia sem nada, apenas o leite e a espuma. Com o tempo, a gente se acostuma e nem sente a falta do doce no leite.

A mandioca era plantada na frente de casa. Eu aprendi com meu pai a puxar a raiz e também cortar os talos para colocá-los novamente na terra. Tenho aproveitado o plantio que meu falecido pai deixou.

As galinhas eu também aproveito. Vou todos os dias ver se há ovos para comer. Uso lenha no fogão para fazer a comida. Tudo é assado, porque quase não se tem água, e quando tem é para beber. O calor aqui é insuportável, se a gente não fizer tudo antes das 10 horas da manhã, o sol queima o coco da nossa cabeça.

Para mim, tudo está muito difícil! Não estou dando conta de fazer tudo o que devo fazer. Tenho muito medo de ficar sem comida para a minha irmã. Estamos com seis galinhas e um galo, nove pés de mandioca e sete de milho. Tenho que alimentar o boi, que sempre nos leva para a cidade para comprar feijão. Eu troco, às vezes, o leite por meio quilo de feijão. Como não tenho dinheiro, tento trocar por algo.

 

A minha mãe lavava a roupa no riacho e a trazia em um balde que colocava em cima da cabeça. Ela tinha tanta agilidade, que podia até correr e não deixava a roupa cair. Eu bem que tentei fazer isso, mas é muito pesado, então, levo a roupa de pouco em pouco até o riacho para lavar. Muitas vezes prefiro ficar com as roupas sujas…

 

– Antônia, o que vai acontecer com a gente?

– Eu não sei, mas não vou deixar você passar fome, isso pode ter certeza!

Continua…

Meuri Luiza

Antonia – Capítulo 1

Você tem mãe? Você conhece a cadeia? Sabe o que acontece lá? Vou contar minha história. Realmente a injustiça acontece e quando percebemos, estamos sem ninguém, simplesmente sozinhas nesse mundo. O que fazer? Recorrer a quem?

( História baseada em relatos de jovens que estiveram em uma cadeia feminina)

Imagine ter apenas 10 anos de idade e ver sua mãe caída no chão, morta. Foi o que aconteceu comigo.

A minha mãe teve uma parada cardíaca fulminante e morreu junto com as galinhas. Ela estava dando comida para elas no quintal e, de repente, caiu… Morreu…. Não deu tempo de socorrer. Nem que desse tempo, onde nós moramos não tem hospital. Eu fiquei perto do corpo dela esperando meu pai. Quando ele chegou, o corpo dela já estava gelado e seus lábios roxos. Fiquei o tempo todo sentada no chão e coloquei a cabecinha dela em meu colo. Minha irmã estava com meu pai. Eles estavam pegando água no riacho, que fica a cerca de 10 km de casa.

Meu pai chorou… Carregou minha mãe até a nossa casa e a colocou na cama. Seu corpo, imóvel, ficou lá por alguns minutos. Ele fez um buraco no fundo de casa e lá enterrou nossa mãe. Fez também uma cruz. A madeira vertical ficou torta, nem parecia uma cruz. Minha mãe, agora, estava embaixo da terra, no fundo de casa, perto das galinhas.

Eu me vi sozinha para cuidar da minha irmã e do pai que acreditava, não iria aguentar, ele era muito fraco nos seus sentimentos…

Eu me chamo Antônia, minha irmã Márcia, meu pai Pedro, e minha mãe, Cida.

-*-

Eu gostava muito de brincar com minha irmã. Ela é dois anos mais nova que eu. Nossa casa muito simples. Feita de pau-a-pique. Meu pai foi quem fez com um barro que se aplica num enramado de bambu.

A gente se divertia enquanto meu pai trabalhava.

Nós morávamos em outro lugar, mas estávamos ficando sem água, porque havia seca e até os animais vizinhos estavam morrendo. Agora, onde estamos, tem um riacho bem legal e meus pais acharam melhor ficarmos aqui para sobrevivermos. Para pegarmos água, vamos em uma carroça, e o boi vai puxando. Às vezes dói o corpo de tanto que chacoalha. Eles vão duas vezes na semana pegar água, e a gente armazena em barris. Dá para tomar banho de caneca, fazer a comida e alimentar as galinhas também.

Há algumas árvores em volta da casa. Tem jaca, pitomba, goiaba e graviola. Minha mãe fazia sucos para nós. Ela também fazia macaxeira assada, uma verdadeira delícia com suco de pitomba!

Minha irmãzinha sempre ficava comigo. A gente não se separava por nada. Um dia eu quis brincar com as espigas de milho fazendo bonecas. Ela ficou encantada, e a partir de então, brincávamos de casinha todos os dias.

Depois que a minha mãe morreu, a gente não brincou mais.

Eu já estava com dez anos, e ela com oito. Eu cuidava da Marcia, sempre cuidei. Quando ela acordava à noite, com dores de barriga, eu saía pelo quintal à procura de erva cidreira para fazer um chazinho para ela. O tempo foi passando e ela começou a me chamar de mãe. Eu achava meio estranho, mas não consegui tirar isso dela.

Aprendi a fazer comida, chás milagrosos, compotas, organizar a casa, limpar o chão de terra batida, fazer os sucos com as frutas do quintal e, o principal, cuidar do meu pai. Ele entrou em depressão profunda e a única coisa que fazia era buscar água com o boi para nós. Isso porque eu não aguentava com o peso dos barris.

Sempre cuidei de tudo. A minha mãe me ensinou muita coisa, mas eu sempre precisei dela. Quando fiquei mocinha, pensei que tivesse me machucado. Eu não sabia para quem falar. Tinha vergonha de falar sobre isso com o meu pai, porque eu não sabia o que era. Além disso, a nossa vizinha ficava a cerca de 20 km da minha casa. Depois de três meses eu descobri que era normal, porque todo mês acontecia.

Em parte, para mim, foi bom, porque quando aconteceu com minha irmã, eu já pude tirar de letra e ensiná-la. Meu pai nem ficou sabendo. Aliás, ele nem conversava com a gente. Um dia eu tive que dar macaxeira na boca dele. Nem comer ele estava comendo. A depressão estava matando aquele homem dia a dia.

Havia uma árvore a uns 40 metros de casa. A gente costumava subir nela para brincar, mas agora a gente não quer nem passar perto….

Continua…

Meuri Luiza

Maria Capítulo 13 – Fim

 

 

Mais alguns segundos e consegui dar a primeira respiração profunda. O oxigênio chegou aos meus pulmões…

Abri os olhos e as trevas já não estavam lá. Eu ainda sentia o meu cheiro de podre, mas o peso dos meus ombros sumiram. Eu estava leve, ainda fraca, mas leve… os demônios foram embora. Eu nem acreditei, mas eles que estavam me atormentando esses meses todos, foram embora.

Ali eu soube o quanto é imensa a misericórdia do DEUS ALTÍSSIMO! Ele me aceitou novamente, me aceitou como sua filha.

Precisei ver os demônios e o reino do inferno para ter meus olhos abertos e saber como age as trevas em  nosso coração e nos levar ao lago de fogo e enxofre.

Minha mãe entrou novamente no quarto para ver se eu ainda estava viva. Sorri para ela. Minha mãe chorou…

Fui salva naquele momento pela misericórdia do meu Deus. Sim agora Ele é o meu Deus. Deixou de ser meu inimigo como eu pensava…

Não acredito que teria vivido se não tivesse perdoado e desejado ardentemente minha salvação. O alívio que a gente sente quando nossa alma está limpa e pura é imediato.

Bá fez um mingau e me deu na boca. Minha gengiva já não sangrava mais. Ainda tinha feridas na boca, por isso a comida era de pouco em pouco. Ainda esta muito debilitada, muito fraca, mas já não sentia enjoo. Necessitava de ajuda para andar. Meu pai me colocou na cadeira de rodas e me levou no hospital no dia seguinte.

Dr. Tadeu se impressionou de me ver viva, um dia a mais do que ele havia dito. Quase que ele acertou ( risos).

Pedi outros exames, ele perguntou para quê?

Eu disse que estava curada. Ele riu.

Como o convenio pagava tudo, era vantagem para o hospital realizar os exames.

Dois dias depois o telefone tocou. Era a enfermeira do hospital, queria falar comigo.

Eles não estavam entendo como poderia ter dado negativo o exame em um paciente em estado terminal, afinal o médico havia pedido para meu pai comprar o caixão. Novos exames foram realizados e novamente o resultado foi negativo.

Dr. Tadeu me chamou no consultório um mês depois do milagre. Eu consegui ir andando, muito devagar mas sem a ajuda da cadeira de rodas. Ele me perguntou o que aconteceu e eu respondi:

– Consegui perdoar para ser perdoada…

– Então você realmente usou sua fé, porque era humanamente impossível a sua cura. Espero que nunca mais deixe o seu Deus, pois Ele é real.

– O senhor deveria conhece-Lo .( risos )

Deixei um livro em sua mesa, quem sabe ele lê.

 

Retornei para minha igreja. Voltei para Deus e Ele se voltou para mim.

Algum tempo se passou e meu cabelo começou a crescer. A cor dele é linda… eu nem me lembrava mais. Tive que tratar meus dentes, porque apodreceram todos. As feridas em meu corpo se fecharam. Fiquei com algumas marcas, mas isso não importa. Até gostei, assim jamais vou esquecer o que aconteceu comigo. Consegui engordar sete quilos, estou pesando agora 43 quilos. Estou indo bem para uma garota de 1,78. Recuperando dia a dia, porém agora na fé da minha salvação.

 

Lembra do Felipe? Ele se casou com a menina e tiveram gêmeos. Logo após o nascimento das crianças, eles se separaram, pois Felipe já se cansou dela e está noivo de outra.

E é assim, quando a gente ouve o coração é só sofrimento. O que parece ouro, com algum tempo vira ferrugem e de nada serve mais.

Um dia eu perdi o brilho por causa do coração, mas agora já estou esperta com ele. ( risos )

Essa que vocês estão vendo, sou eu, antes de conhecer o Felipe…

 

Espero que essa história ajude a compreenderem onde a mágoa leva o ser humano e não cometam o mesmo erro que eu um dia cometi…

 

Atenciosamente Marina.

 

FIM

 

Autora: Meuri Luiza

Marina Capítulo 13

Mas ainda havia ódio dentro de mim, não sei porquê. Eu ainda estava com a angustia dentro do meu peito e a revolta estava aflorada em meu ser.

Ali começou a grande batalha.

Os demônios desejavam ardentemente minha alma e eu desejava ardentemente a salvação!

Como poderia tirar o ódio dentro de mim? Havia poucos segundos para eu decidir como iria viver a eternidade. Ou eu ouvia a voz do coração ou a voz da razão. A gente quer uma coisa mas o coração grita por outra!

Havia trevas ao meu redor, eu as via. Vi os demônios…sim havia tantos demônios ao meu redor que era impossível conta-los. Sentia o cheiro de enxofre.

Vi um deles me olhar fixamente… eu ainda estava com muito medo. Meu coração disparou. Ele se aproximou de mim e disse:

– Você é minha, não vou te perder por nada! Sua alma é valiosa e te espero faz tempo…

A voz dele era tão forte que penetrava dentro dos meus poros. Já dava para sentir o calor do inferno. Minha luta estava sendo imensa. Minha salvação estava em minhas mãos.

Tentei gritar, mas minha voz não saía. Parecia um pesadelo, mas na verdade era real e muito real…

– Lutei por você, apanhei no inferno por não ter conseguido a sua alma antes, mas agora é o seu fim. O HOMEM DE BRANCO perdeu, você é minha…

Falei novamente para Deus que perdoava. Percebi que era o meu último suspiro, não tinha mais tempo, mas o ódio ainda estava dentro de mim.

Agora eu estava com muita raiva de mim mesma, por não conseguir me salvar. Tive tanto tempo em vida e agora que estou tão perto do inferno não consigo esmagar meu coração.

“Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e perverso; quem o conhecerá? ”   Jeremias 17:9

Se eu pudesse falar para todo mundo não dar ouvidos ao coração… ele engana a gente e depois nos leva para o inferno.

Se eu pudesse gritar para todos dizendo o quanto eu me arrependo de não ter ouvido o Espírito Santo…

Minha alma dóia…

Já não sinto mais meu corpo, pois as dores são insuportáveis.

Não sei se o mau cheiro é meu ou do enxofre do inferno…

– Você vai ser o meu troféu. Todos os demônios lutam por esse troféu… uma alma que serviu o HOMEM DE BRANCO. Vocês tem um lugar especial no inferno… nós deixamos vocês bem conscientes. Fazemos questão que lembrem a cada segundo tudo que fizerem de mau e de bom aqui na terra. A cada segundo vocês vão se consumindo e isso é por toda a eternidade…

Não sei como, mas arrumei forças para falar o nome daquele que eu tinha mágoa e desejava a desgraça na vida dele.

Sim, eu falei o nome e disse que o perdoava. Disse para Deus me dar mais uma chance que não iria desperdiçar por nada…

– DEUS! MEU PAI! SOCORRO! Me dá mais uma chance… não vou deixar de Te servir pelo resto da minha vida. Eu te pertenço Senhor meu e te amo mais do que tudo nesse mundo. Me perdoa… me perdoa… Pai…

Méuri Luiza

Marina Capítulo 12

 

Costuma-se colocar flores para o defunto não cheirar tão mal, mas eu estava fedendo tanto que acho que nem o perfume daria resultado.

Cheguei no hospital e o doutor Tadeu estava me esperando. Entrei na sala dele levada por meu pai na cadeira de rodas.

Ele quis fazer brincadeiras, mas eu sabia que estava morrendo.

– E aí menina bonita como está?

Eu só não sabia onde estava a menina bonita… careca, pele enrugada, dentes podres, gengiva sangrando, fedendo defunto… só podia ser brincadeira dele.

Ele abriu os exames e tudo estava na mesma. Chamou minha mãe e meu pai em outra sala, demoraram uns minutos e voltou apenas minha mãe com o médico. Perguntei do meu pai, mas ele ficou lá fora, foi no banheiro lavar o rosto. Ele deveria estar chorando.

Fiz que não era comigo e perguntei ao doutor o porquê minhas veias estavam doendo tanto. Ele explicou mas eu nem prestei atenção em nada, queria é ficar curada.

Minha mãe entendeu e quando chegou em casa colocou em prática o que ele ensinou.

Esquentou água e fez um chá de camomila. Com um pano limpo, mergulhou no preparo e colocou sob minhas veias escuras e duras. Doía tudo. Eu sentia o câncer comendo meu corpo, cada pedaço. Eu sabia onde ele estava, onde era apodrecido por essa maldita doença. Naquele momento meu intestino, meu fígado, rins, esôfago, baço estavam sendo comidos pela doença… eu sentia cada parte do meu corpo morrendo…

 

Numa noite, eu pensei que era meu pai entrando no meu quarto, um vulto escuro. Eu não estava enxergando mais quase nada. Meus olhos estavam embaçados. Alguém  falou que viria buscar minha alma naquela noite… eu sei que não era Deus nem um dos seus anjos, porque a voz era horrorosa e o cheiro de enxofre era grande. O temor sobreveio sobre mim de tal forma que consegui dar um grito, ainda não sei como fiz isso, acho que foi o desesperado.

Minha mãe entrou correndo no quarto, acendeu a luz e veio até minha cama. Segurou minha cabeça e ficou me olhando com os olhos arregalados. Eu não disse nada. Ela me falou que Jesus ainda me amava mas a mágoa tomou conta do meu ser e isso fez o câncer em mim. Ela me disse que o médico deu apenas uma semana de vida, e o prazo estava se esgotando. Se eu não perdoasse quem me fez ter mágoa,  iria para o inferno.

 

“Pelo que já se escureceram de mágoa os meus olhos, e já todos os meus membros são como a sombra.” Jó 17:7

 

O problema é que eu não conseguia perdoar! Eu não conseguia ! Quando  me lembrava daquelas palavras que não ia dar certo  ficava com mais ódio ainda. Sentia uma raiva muito grande daquela situação, eu estava morrendo, literalmente morrendo. Tinha apenas alguns minutos de vida e não conseguia perdoar!!

Quanto desespero, quero dar o perdão mas não consigo! Sinto minha alma indo para o abismo! Alguém pelo amor de Deus me ajuda! Não tenho forças para falar nem para orar!

Minha mãe percebeu a minha agonia,  sabia que eu estava morrendo. Minha boca começou a sangrar novamente, o cheiro de podre estava insuportável que nem mesmo eu conseguia me aguentar. Meus olhos estavam se fechando… estava esgotando minha vida aqui na terra…

Minha mãe desesperada disse para eu falar o nome da pessoa na qual tinha rancor. Eu não conseguia falar o seu nome…

Ela largou a minha cabeça e se levantou da cama. Me disse:

– Se o Felipe realmente te amasse, estaria aqui no meu lugar e não com outra pessoa. Se você tivesse se casado com ele, hoje também estaria com outra mulher. O problema é que você não entende que a gente quer o teu bem e te aconselha para que não caia no erro. Mas a sua cabeça é muito fraca para compreender o amor de Deus. Quer morrer? Faça conforme a sua fé! Agora você viu realmente que ele não era para você e ainda assim tem mágoa. Mágoa de quem? Da verdade?

Minha mãe saiu e me deixou no quarto sozinha…

Naquele momento parece que recuperei a consciência. Comecei a pensar. Por alguns segundos consegui pensar. Eu estava sem ar, não tinha mais respiração. No meu último folego disse em voz sussurrada:

– Deus, eu perdoo meu pastor e perdoo todos aqueles que eu pensava querer o meu mal.

As palavras saíram do fundo da minha alma…

 

Autora: Méuri Luiza

Marina Capítulo 11

 

Cada dia de quimioterapia, um sofrimento. No hospital que eu realizava a quimio, tinha muita gente como eu. Uns estavam bem, outros estavam morrendo. Vi muita gente morrer em minha frente ou mesmo fiquei sabendo que morreu por algum enfermeiro. Crianças sofrendo, pais chorando, a dor por todo lado. O diabo reina nesses lugares e eu que um dia fui usada por Deus, expulsava-os das pessoas, não consigo expulsa-lo da minha vida.

 

Um dia senti muita falta de ar. Não consegui nem gritar, tinha uma colher perto de mim eu a joguei com o restante de força dos meus braços em direção ao corredor. A Bá veio correndo e ficou desesperada. Eu já estava ficando roxa. Ficar sem ar é algo horrível. A agonia de querer respirar e não conseguir. Puxar o ar e ele não vir. Ela gritou e meu pai veio correndo. Me pegou no colo e me segurou em seus braços. Minha mãe pegou as chaves do carro, a Bá abriu o portão e quando vi já estava na cama do hospital recebendo oxigênio.

Vi meu pai saindo pela porta chorando. Minha mãe segurando o aparelho de oxigênio em meu rosto. Seu olhar era de toda tristeza do mundo. Eu sabia que se ela pudesse estaria no meu lugar para me dar a vida de novo. Me sentia bem quando ela estava ao meu lado porque os demônios sumiam, mas quando ela não estava, eles ficavam ao meu redor só esperando a minha morte, como fizeram com a menina do hospital.

Meu médico entrou e pediu novos exames. Foi tudo rápido. Eu não fui  para casa, fiquei para receber sangue…

Ouvi a Bá ligando para alguém pedindo que arrumasse pessoas para a doação. É que quando se usa o sangue do hospital deve-se repor, assim nunca vai faltar.

Sei que o primo dela e a sobrinha tem o mesmo tipo de sangue que o meu. Minha mãe e minhas duas tias também. Eles vieram no dia seguinte.

Fiquei mais dois dias no hospital. Sonhei que estava morrendo e que vultos escuros vieram me buscar. Novamente o desespero tomou conta da minha alma. Eu tinha vontade de chorar, mas não tinha forças, as lágrimas apenas caíam sem parar sobre meu rosto, molhando todo o travesseiro. Estava sem forças para me levantar, para falar, sem forças para viver. Sabia que a morte estava chegando e que eu iria para o inferno. Quanto desespero! Quanta dor! A agonia toma conta do nosso ser de uma forma que se eu pudesse me mataria ali naquela hora. Mas se eu me matar vou para o inferno mais rápido. Se de repente alguém errasse o remédio, então eu não estaria me matando, mas mesmo assim minha alma não estaria salva.

– Meu Deus o que eu faço?

 

Três dias internada. Recebi alta. Fui para casa. Bá fez sopa de letrinhas. Ela brincava comigo dando o macarrão e falando as letrinhas que estavam na pequena colher. Tinha mais água do que macarrão. De repente senti um gosto de sangue na boca. Minha gengiva começou a sangrar… eu estava apodrecendo…

O cheiro do meu quarto, nem com todo desinfetante do mundo tirava o fedor de morte. Um cheiro de podre… era eu…

Minha mãe me limpava com um pano o tempo todo. Passava creme hidratante na pele por causa do ressecamento. Mesmo assim eu fedia.

Vocês devem se perguntar do Felipe. Ele me deixou na primeira semana da quimioterapia. Disse que não iria suportar me ver sofrer. Um covarde que de fato não me amava. Foi usado só para me tirar da presença de Deus. Ele está namorando com outra menina. A casa onde iríamos morar agora é dela. Os móveis, ele vendeu e me deu uma parte do valor. Minha mãe compra remédios com esse dinheiro.

 

Dia de consulta. Coloquei o lenço azul, com uma blusinha azul clara e uma saia preta. Minha perna estava só osso e uma pele caída por cima dele, um horror. O calçado era uma rasteirinha rosa.  Eu passei batom, mas já não tinha lábios, apenas um risco como boca. Me perfumei com um cheiro maravilhoso de flores. Devia estar me preparando para o caixão…

 

 

Méuri Luiza

 

Marina Capítulo 10

A todo momento eu passava mal. Já não estava mais aguentando o sofrimento. Eu sabia que meu corpo estava deteriorando rapidamente. Minha mãe foi até o mercado e comprou melancia, eu amo suco de melancia. Ela mesma preparou para mim, com um pouquinho de açúcar, mas eu não consegui beber, apenas um gole foi o suficiente para o tormento do enjoo atacar. Assim foi por um bom tempo. Ninguém podia me visitar. Se viessem tinham que usar máscara para não me contaminar. Era um tal de leucócitos que baixava rapidamente causando o risco de infecção e provavelmente a morte. Minha mãe tinha medo que eu viesse morrer, então ninguém entrava no meu quarto, a não ser ela, meu pai e a Bá.

Três semanas se passaram após começar o tratamento. Fui tomar banho e lavar meus cabelos. Eles eram na altura do ombro, castanhos escuros. O médico disse que poderia ter queda, mas a gente nunca está preparada para isso. Passei o shampoo e depois o creme, comecei a enxaguar e ele caía de punhados em minhas mãos. Saí rapidamente e sequei-os com a toalha. Com uma escova tentei ajeitá-lo, mas eles caíam cada vez mais. Me deu um desespero muito grande… me sentei ao lado do vaso sanitário e com o rosto no meu joelho chorei em voz alta.

Minha mãe ouviu meu choro e veio correndo para meu quarto, entrou no banheiro e me levantou. Me colocou em seus braços e me segurou com toda força. Ela não poderia tirar a dor do meu coração. Não sei se essa dor é por causa do câncer, da queda do cabelo, porque não sei se vou morrer, ou é a falta que sinto do meu Deus… A essa altura já estava conversando com ela.

Em dois meses eu estava completamente careca. Nem um fio de cabelo em minha cabeça. Bá comprou três lenços para mim. Um vermelho, outro cinza com bolinhas brancas e um azul escuro com uns riscos mais claros. Meu pai me deu um chapéu muito legal. Tinha várias cores, vermelho, rosa e branco. De vez em quando eu saía para passear.

Minha mãe insistiu muito e eu aceitei ir com ela para o shopping. Foi uma das piores coisas que eu já fiz em minha vida. As pessoas me olhavam como se eu fosse um E.T. ou pelo menos assim. Umas me olhavam com nojo, outras com pena. Entrei com minha mãe numa loja e a vendedora não conseguia nos atender sem ficar olhando para minha cabeça. Eu me irritei, fiz cara feia mas não adiantou. – Você está olhando o quê? Estou sim com câncer e posso morrer a qualquer momento, está feliz agora?

Minha mãe nem comprou mais nada. Pegou meu braço e me levou para fora da loja. Fomos para casa. Como se isso não bastasse, minha boca ficou cheia de feridas. Eu não conseguia comer nada, doía muito e toda hora sangrava… ( choro )

Fui ficando muito fraca. Já não conseguia andar muito tempo. Meu pai coitado, emprestou uma cadeira de rodas para poder andar comigo pela calçada. Eu colocava o chapéu que ele me deu, e pela manhã umas sete e meia da manhã, ele andava comigo empurrando a cadeira. Ele empurrava e cantava. A música me aliviava um pouco. Ele cantava louvores da igreja. Parece que acalmava meu espírito.

Eles iam para os cultos, eu ficava em casa com a Bá. Quando a Bá ia, eu ficava em casa com eles. Não sei porque mas não tinha coragem de ir novamente para a igreja. Acho que não cria mais em Deus ou de repente tinha vergonha Dele, não sei ao certo, só sei que não ia. Sei que Deus entende isso…

Fui emagrecendo dia a dia. Fiquei muito feia. Careca e a pele se enrugando por causa da magreza. Meu olhar era de uma morta viva. A fraqueza era cada vez maior. Eu já não conseguia mais ficar sentada. Os ossos do meu quadril estavam machucando a minha pele. Para andar na cadeira de rodas, meu pai comprou uma almofada muito macia, aquelas que a gente usa para dormir no carro ou no avião. Me aliviou um pouco, mesmo assim não conseguia ficar mais do que quinze minutos na rua, tinha que voltar para casa e me deitar. Perdi as forças… já não comia mais sozinha. Minha mãe dava o alimento em minha boca… quase não tinha forças para abri-la.

Méuri Luiza

Marina – Capitulo 9

 

Eu fiquei um dia e meio no hospital, a menina morreu algumas horas antes de eu receber alta. No momento de sua morte os demônios vieram buscar sua alma… eu vi ! É horrível ! Vi o desespero da sua alma ! Vi o desespero !

Antes da sua morte olhei para ela, estava na cama colocada em frente a minha. Ela era muito magra, careca e com os olhos fundos e roxos. A pele parecia verde, eu conseguia contar os ossos dela. As mãos eram muito feias, lembrei de uma caveira. A boca dela estava com muitas feridas. Ela sentia fortíssimas dores, a enfermeira toda hora aplicava morfina na menina. A dor passava por um tempo e depois voltava.Ela queria chamar a mãe mas não dava mais tempo! Eles a levaram! Eles a levaram! Os demônios a levaram.

Minha mãe estava do meu lado e eu nem falava com ela. Queria tomar um banho, mas ainda não podia me mexer.

Olhei para ela e chorei, eu não podia falar nada, como poderia explicar tudo aquilo? Minha mãe me abraçou e me abençoou…

Fiquei com a expressão da menina morta em minha mente. Uma garota de uns 23 anos, pele e osso, o rosto muito enrugado, as mãos horrorosas. O gemido de dor, a boca toda cheia de feridas e o desespero por estar sendo levada pelos demônios… A mãe chorando em cima do corpo da filha morta… será que minha mãe vai estar no lugar dessa mãe daqui alguns dias? Será que eu vou acabar assim?

Colocaram um lençol branco em cima dela e a levaram para o necrotério. Alguém ia fazer a tal autópsia. Acho que nem precisava, o câncer comeu o corpo todo dela, era só escrever isso.

Meu médico chegou e me deu um sorriso, disse que correu tudo bem na cirurgia, mas que eu deveria começar uma quimioterapia. Assinou um papel e me deu alta.

Meu pai foi nos buscar, eu e minha mãe. Com muita calma desci da cama, minha mãe trouxe um vestidinho bem solto para eu usar, um chinelo de borracha bem leve. Penteou o meu cabelo e fez um rabo de cavalo. Ela segurou no meu braço direito para que eu não caísse. Meu pai levou a sacola com minhas outras roupas.

Entrei no carro, fui na frente, minha mãe sentou-se atrás. No caminho meu pai fazia algumas brincadeiras para ver se eu me alegrava, mas não consegui esboçar nenhum sorriso. Fiquei olhando a paisagem e sentindo a dor na minha alma. Porque será que fiquei desse jeito?

Chegando em casa fui para meu quarto. Minha cama estava arrumada, com dois travesseiros grandes e muito gostosos, um edredom macio e aconchegante. Me deitei, minha mãe ajeitou minhas costas no colchão. A Bá, era uma ajudante que estava conosco desde que eu tinha cinco anos de idade. Ela fez uma sopa de mandioquinha para mim. Bateu no liquidificador e não colocou muito sal. Bá veio pessoalmente colocar a sopa em minha boca. Ela é muito engraçada, fazia aviãozinho para eu comer. Eu ria com isso. Estava sendo tratada como rainha por eles, mas dentro de mim havia um vazio imenso. Não sei o que era, nunca senti isso antes. Um abismo estava dentro do meu peito. Uma vontade de morrer mas ao mesmo tempo não sabia para onde minha alma iria. Mesmo eu tendo aprontado todas, minha mãe me amava, mas será que Deus me amava? Será que Ele se lembrava de mim? Essa dúvida estava dentro do meu coração o tempo todo. Uma voz dizia que eu não tinha mais salvação, que eu estava perdida em meus pecados, que eu não era digna da misericórdia Dele e que não adiantava orar, porque Ele não iria me ouvir… desespero….

Minha mãe chegou perto de mim e passou a mão em minha tatuagem, olhou para ela por alguns segundos. Pensei que iria me dar uma bronca, mas não… balançou a cabeça em sinal negativo e esboçou um sorriso. Não entendi.

Na semana seguinte comecei a químio. Uma sala com um aparelho estranho, um saquinho de soro com os remédios. Começou o tratamento… minha boca ficou seca, parecia que ia rachar. Senti um desconforto insuportável. Uma sensação horrorosa, nem conseguia falar, eu poderia beber toda água do mundo que a secura em minha boca não passava. Tive muita náusea, quando eu saí me receitaram outro remédio para tomar caso o enjoo continuasse. Meu pai passou na farmácia para comprar, eu não queria ficar no carro queria ir embora, estava muito mal, me sentia péssima.

Quando cheguei em casa não resisti e vomitei muito…muito mesmo… meu estomago doía, minhas costas também, não aguentava mais fazer força de tanto vomitar. Uma sensação de morte, quero minha cura! Pelo amor de Deus quero minha cura!.

Dois dias passando horrivelmente mal. Minha mãe ao meu lado sofrendo junto. Voltei a falar com ela. Bá fazia sucos, eu não conseguia tomar, não tinha fome.

Meu pai ligou para o médico e ele disse que era assim mesmo. Pediu para eu comer em pouca quantidade mas várias vezes durante o dia. A comida não descia em minha garganta. Tinha nojo dela. Nem água me sentia bem em beber, comecei a morrer vagarosamente…

Méuri Luiza

Marina – Capítulo 8

 

Acordei com o telefone tocando. Era meu médico pedindo para ir até o hospital. No dia seguinte fui . Novos exames foram realizados, muitas perguntas foram feitas. Minha mãe sempre do meu lado… e eu não falava com ela.

Felipe ligava de hora em hora.

A cirurgia foi marcada para dois dias depois. Tudo muito rápido…acho que eu estava morrendo…

Na sexta-feira lá estava eu de novo dentro do hospital. Agora para a grande cirurgia. Eu até que estava com esperanças.

Uma enfermeira loira veio até mim, deu um sorriso e pediu que eu tirasse toda roupa. Me deu um roupão branco com emblema do hospital. Fui até o banheiro e me arrumei.

Dois enfermeiros me fizeram deitar em uma maca com rodinhas, colocaram uma touca em minha cabeça e uma agulha em meu braço, já me preparando para a anestesia.

Na sala tinha muitas luzes, muitos aparelhos. Meus olhos estavam doendo, o medo tomou conta do meu ser. Pra onde minha alma iria? Eu não estava preparada para morrer. Será que Deus podia ouvir a minha voz? Será que Ele se lembrava de mim? Ou nem me conhecia mais… sentia uma mistura de medo com revolta.

O anestesista chegou, estava com um touca verde e uma máscara, nem vi o rosto dele.

Muita gente na sala… meu médico mesmo não estava lá. Minha mãe ficou do lado de fora, não deixaram ela entrar. Eu estava sozinha…somente eu e meus pensamentos… acho que nem Deus estava comigo, mas eu sentia a presença dos demônios, eles estavam bem perto e queriam me devorar, só estavam esperando o momento, estava com medo de morrer, muito medo de morrer…

Um líquido foi colocado por aquela agulha que estava em meu braço. Senti ele subindo em minhas veias…o medo aumentava cada vez mais…meu coração disparou. As luzes começaram a escurecer, o sono veio e não consegui mais segurar…adormeci…

 

Sete horas se passaram e eu acordei. Eles estavam fechando a cirurgia com pontos. Senti o médico me costurando. Ponto a ponto. A anestesia havia acabado e eu acordei antes do tempo. Um alívio…estava viva. Ouvi pessoas conversando, minha mente não estava conseguindo discernir as palavras. Eu ainda estava sob efeito dos remédios, mas os demônios continuavam ali… do meu lado. Vi um como vulto preto, cheiro de podre, calor…meu coração novamente disparou. O desespero tomou conta de mim. Não conseguia falar, não conseguia gritar, meu corpo ainda não respondia, só meu coração disparava…

Um tempo depois me levaram para um quarto. Sete demônios ao redor da minha cama, eu os contei. Ainda não conseguia me mover, fiquei assim por umas quatro horas. Apenas soro era meu alimento. Eu ficava olhando o teto do quarto. Tinha algumas rachaduras, as lâmpadas eram grandes e bem claras. Uma delas estava queimada, tinha oito ao total mas somente sete estavam acessas. Eu sentia frio, uma das janelas estava aberta. Fiquei em um quarto junto com outra menina, também vítima do câncer. Ela já estava na segunda cirurgia, o mesmo caso que o meu, câncer no intestino. Eu não estava vendo ela, porque não conseguia me mexer mas sabia que estava sentindo dores. Ela gemia o tempo todo, e dizia que não aguentava mais.

Ela xingava muito, falava palavrões e estava revoltada. Vi outros demônios ao seu redor, eles riam muito e parecia que estavam esperando por sua alma. A mãe dela estava perto, sofrendo junto.

Minha mãe chegou e me deu um beijo. Passou as mãos pelos meus cabelos. Quando ela chegou perto de mim, senti paz… eles saíram, foram embora. Ela viu que eu estava com frio e fechou a janela. Tinha um cobertor aos meus pés, ela me cobriu. Consegui me aquecer.

A noite foi longa. Toda hora tinha uma enfermeira me aplicando remédio. Eu achava bom porque assim não iria sentir dor, mas ficava com a cabeça pesada e parecia que tinha um zum zum no meu ouvido, eu me sentia dopada o tempo todo, meus olhos não conseguiam fixar em nada, eu não tinha controle sob o meu corpo. O desespero começou tomar conta de mim, queria ir para casa, queria estar bem, queria somente queria, mas eu não podia… comecei a chorar, as lágrimas caíam no travesseiro e nem limpar meu rosto eu tive condições…que ponto cheguei…

 

Continua…

 

Autora: Meuri Luiza

Marina – Capítulo 7


Fui para meu quarto e lá estava uma camiseta em cima da minha cama.

Voltei para a cozinha e gritei com minha mãe.

– Você pensa que sou boba? Acha que não sei o que essa camiseta está fazendo na minha cama? Eu não vou vesti-la, nem por bem e nem por mal.

Em um ataque de fúria joguei-a no lixo.

Novamente minha mãe não abriu a boca. Isso me deixava louca, eu queria brigar com ela, mas em nenhum momento tive chance…

Quinze dias se passaram, eu e Felipe nos entendíamos muito bem, exceto em uma coisa. Várias vezes ele queria avançar o sinal, mas eu ainda não estava pronta. Ele dizia que iria terminar comigo, porque eu não dava provas do meu amor, mas ele não entendia que eu deveria estar preparada para aquele momento. Não queria que fosse de qualquer forma, queria algo especial, algo que de fato me fizesse sonhar para sempre. Eu amava meu namorado, mas ainda não estava pronta. Faltava pouco tempo para nosso casamento. Já era para ter me casado, mas como não queria mais casar na igreja, optamos por uma chácara. Por esse motivo tivemos que esperar mais um mês, porque estava ocupada. Eu amava o Felipe e queria muito viver para o resto da minha vida com ele.

Naquela semana fui apresentada a cocaína. Tato era viciado e me trouxe um pouco. Ele fez uma carreira na mesa da sala de sua casa e com um cartão de crédito acertou os lados. Ele enrolou um pedaço de papel e colocou entre suas narinas e a coca, aspirou, fez cara de quem iria espirrar e sorriu.

– Agora você.

Pensei por um instante se valeria a pena arriscar, eu não tinha nada a perder. Peguei o papel, enrolei, coloquei em meu nariz e aspirei o pó… nem me preocupei se o Felipe iria ficar bravo comigo, eu já era maior de idade.

Que sensação… nunca havia sentido aquilo…

– Quero mais !

Ele deixou eu cheirar novamente. Meu coração disparou, fiquei eufórica, a sensação de bem estar… eu estava ótima… me sentindo a tal!

Me sentei no sofá e fiquei olhando para o nada da parede branca. Vi monstros subindo e descendo. Eles olhavam para mim e davam gargalhadas. Eram monstros horrorosos. Tive medo…

Tato disse que se eu quisesse mais teria que comprar. Pensei que não seria necessário, mas durante a noite senti vontade, meu corpo pedia aquela sensação.

3:20 da manhã, não aguentava mais. Liguei para o Tato.

– Pelo amor de Deus consegue mais para mim.

– Preciso de dinheiro vivo.

– Minha mãe não vai me dar, empresta para mim depois eu te pago. Estou sem nada agora.

– Você não trabalha?

– Deixei de ir para a loja já tem um tempinho. Acho que já estou demitida de lá. Me empresta, eu devolvo. Assim que eles depositarem na minha conta eu te devolvo…

– O que você tem para me dar em troca?

Olhei para meu quarto e vi o som. Sem pensar o ofereci.

– Esse som é bom?

-Sim Tato ele é novinho, eu comprei faz dois meses.

– Espera na porta que eu levo a encomenda.

Ele chegou em quarenta minutos. Fiz a troca na porta de minha casa. Subi as escadas muito rápido. Abri o sacolé e despejei o pó na escrivaninha. Com um cartão arrumei a carreira. Fiz um rolinho de papel e aspirei… que sensação maravilhosa! Como eu não conheci isso antes… sei que quando quiser eu paro, tenho controle sobre mim…

Apaguei a luz do meu quarto e sentei no chão… demônios apareceram para mim. Muitos demônios. Eles me rodearam e me fizeram medo. Havia o cheiro de podre no ar. Fechei os olhos…senti eles me tocando. Ficaram batendo na minha perna. Eu dizia para parar, mas eles não paravam. Quando abri os olhos não vi ninguém.

Deitei em minha cama, cobri minha cabeça com o lençol. Comecei a suar, meu coração disparou… um deles disse bem perto do meu ouvido que voltaria para me buscar… não dormi naquela noite…

Resolvi falar com o Felipe, perguntei se essa sensação era real ou era coisa da minha cabeça. Ele disse que cada um tem um tipo de reação. Ele ficou surpreso em me ver usando, mas não questionou.

Perguntei se ele já usou isso antes de ser obreiro.

Ele me respondeu rindo:

– Antes de te conhecer eu nunca havia ido na igreja, só falei aquilo porque queria você. Sei que é a mulher da minha vida e não posso te perder.

Desfaleci naquele momento. Fiquei pálida e sem chão. Felipe havia mentido para mim. Foi como se uma faca tivesse sido enfiada dentro do meu peito. Pedi para me levar para casa. Entrei no meu quarto e chorei a noite toda.

Em dois meses eu fiz o que nunca fiz em minha vida toda. De tudo fiz um pouco, faltou apenas me prostituir, mas isso não aconteceu porque não estava preparada para o momento, porque se estivesse com certeza teria me entregado para Felipe.

Continua…

Autora: Meuri Luiza

Marina – Capítulo 6

No outro dia minha cabeça doía muito. Me levantei por volta das 14:00 horas, minha mãe não estava em casa, estava na igreja evangelizando. Esse era o horário que eu sempre saía para entregar jornais e falar de Jesus…- Eu não consigo falar com Ele. Dá a impressão que não tenho mais perdão, que para mim não tem mais jeito.

Fui até o armário e peguei um analgésico para minha terrível dor de cabeça. Vi vários tipos de remédios tive vontade de tomar todos. Senti um desejo enorme de me matar…

Uma voz dizia muito sutil no meu ouvido que eu não tinha mais salvação, se eu me matasse aquela angustia sairia e eu seria feliz. Minha dor iria acabar no exato momento que eu morresse…

Peguei uma cartela de remédio para emagrecer que já estava lá no armário há muito tempo, uns dez comprimidos para dor de cabeça e água sanitária. Com uma colher despedacei um a um, até vivarem pó. Misturei todos eles em um copo e adicionei água sanitária. Sentei na janela do meu quarto que dava de frente para um canteiro muito lindo com flores do campo que minha mãe pediu para o jardineiro plantar. Fiquei com aquele copo nas minhas mãos… a cada segundo a voz falava mais alto para eu beber pois minha vida seria outra, meus problemas acabariam, mas eu tinha medo, muito medo… nem sei de que eu tinha medo, mas estava completamente aterrorizada com aquela situação.

Meu coração estava tomado pelo ódio, a mágoa de Deus era muito grande. Como Ele pode fazer isso comigo? O que eu fiz para me crucificar dessa forma?

Andei de um lado para o outro do meu quarto e estava decidida a beber o veneno quando o telefone tocou. Levei um susto tão grande que o copo se despedaçou no chão… Era Felipe, disse que queria que eu conhecesse alguém.

Muito bem, pedi que entrasse. Na sala de casa ele me apresentou alguns colegas. Pessoas estranhas porém muito legais. Ana, Paula, Nenê, Tato, Carol e Bia. Fizemos pipoca e assistimos um filme. Eles haviam passado em uma locadora e o alugaram. O vazio continuava dentro de mim, mas a presença deles me fazia rir um pouco.

– Tem cerveja? Me perguntou Felipe.

-Não.

– Eu disse que aqui não tem isso. O povo é muito careta.

– Marina você tem que aprender viver. A vida que você leva é muito chata. Depois do filme vou te mostrar algo muito manero.

– Paula , eu gostaria de ficar em casa, estou cansada.Todos deram gargalhadas e Felipe disse que era para eu ir senão eu seria a namorada mais chata que ele já teve.

Eu não queria ser a namorada chata do Felipe, então subi para meu quarto e me arrumei.

Ana subiu depois e quando me viu com uma calça jeans e uma camiseta rosa com flores disse que eu não sabia me vestir. Abriu meu armário e tirou um calça de sarja branca. Perguntou onde tinha uma tesoura e a cortou, fez uma dobra na barra para não precisar costurar. Sim ela cortou minha calça nova de sarja e fez um shorts curto. Eu nunca havia saído com shorts, mas quando o coloquei me senti bem. Parecia que aquele era o meu mundo agora. Pegamos então uma regata ( que eu costumava usar por baixo de outras blusas), um tamanco de salto alto e muitas bijuterias. Ela fez um rabo de cavalo em meus cabelos castanhos escuros, pintou meus olhos de preto e me fez olhar no espelho.

– Incrível ! Estou muito bonita ! Amei a produção. De agora em diante vou me vestir assim.

Quando desci as escadas, Felipe ficou maravilhado.

– Uau!!! Que gata !!! Essa é a Marina que eu gosto.

Senti uma mistura de remorso com desejo de conhecer esse mundo novo.

Nessa tarde fomos para um shopping. Assistimos outro filme e depois entramos em uma lanchonete. Tinha música ao vivo e muita bebida. Eu não queria sentir dores de cabeça novamente, por isso disse que não iria beber nada de álcool, queria apenas um suco.Novamente muitas gargalhadas… fiquei tão constrangida que pedi a mesma coisa que todos, cerveja, muita cerveja…

Eu não sabia mas Felipe fumava. O cheiro da fumaça do seu cigarro e de todos ali em volta me fez tossir muito, eu ficava sem ar a todo momento… eu nunca vi meu pai fumar, em minha casa nunca entrou cigarro ou bebidas alcoólicas…

Uma semana se passou e eu não me reconhecia mais, nem por um momento me lembrava que um dia fora de Deus.

Deixei de falar com minha mãe, estava muito revoltada com tudo e não queria amizade de ninguém daquela casa, apenas dos meus amigos.

Abri meu email e vi a foto linda de uma rosa amarela. Felipe estava me convidando para sair, eu só não entendi o que tinha haver com a rosa.

– Quero te apresentar ao maior desenhista que já conheci.

– Você tem amigo desenhista? Que tipo de desenho ele faz?

– Você vai amar !!!

Felipe me levou com seu carro até uma loja muito colorida. Era a loja do Dudau. É um apelido esquisito, todos o conhecem assim, mas o seu verdadeiro nome é Claudemir. Ele é um excelente tatuador.- O que estamos fazendo aqui?

– Vou fazer uma tatoo, queria que me acompanhasse.

– Tudo bem, fico aqui ao seu lado.

– Você não entendeu… quero que faça uma rosa amarela em seu pulso, vai ficar lindo…

– Eu? Nunca pensei em fazer isso…mas confesso que estou tentada em colorir meu corpo.

Pensei um pouco, olhei outros desenhos, fiquei indecisa por um momento.

– Pronto, já decidi.- E aí, qual vai ser?

– Quero a rosa amarela, vai ficar linda mesmo…

Naquela tarde eu apareci em casa de shorts, camiseta decotada, maquiagem escura e tatoo. Minha mãe quase enfartou, percebi isso no seu olhar, porém nenhuma palavra saiu de sua boca…

Continua…

 

Autora: 

Marina – Capítulo 5

 

 

– Infelizmente sim, você deverá começar a quimioterapia, mas antes vamos fazer mais alguns exames para realizar uma cirurgia que é

o tratamento primário para o câncer de intestino, retirando a parte afetada. Após a cirurgia, a quimioterapia é utilizada para diminuir a possibilidade da volta do tumor. Quando a doença já está espalhada pelo corpo ( fígado, pulmão ou outros órgãos), novos medicamentos impedem a progressão do tumor e possibilitam aos pacientes viver por mais tempo, com qualidade de vida. Felizmente você está no início da doença por isso as chances são grandes de recuperação.

– Que qualidade de vida uma pessoa com câncer pode ter?

Eu sempre fui muito usada por Deus e agora estou nessa situação. Liguei para minha mãe assim que saí da sala do médico. Chorei muito no saguão do hospital. Não tinha condições de dirigir. Minha mãe, coitada, veio de taxi e me acompanhou até em casa.

Fui para meu quarto e fechei a porta, ali eu chorei copiosamente porque não queria morrer. Não acreditava que aquilo estava acontecendo comigo.

Minha mãe ligou para o Felipe, que de imediato veio para minha casa.

Eu ainda estava no quarto quando ele entrou, sentou-se em minha cama junto com minha mãe e me abraçou. Continuei a chorar. Eu não tinha fé para ser curada. Não sei o que aconteceu comigo. Deixei de acreditar em Deus e nem sei quando isso aconteceu. Meu mundo desmoronou, minha mente ficou vazia, não sentia mais o meu corpo. Um sentimento de revolta e ódio tomou conta do meu ser. Como Deus poderia deixar isso acontecer comigo sendo que sempre fiz a Obra Dele?

 

Felipe ficou revoltado. A todo momento me perguntava como Deus pode fazer isso comigo, afinal eu era fiel a Ele!

Eu já estava com meu coração tomado pelo ódio. Felipe me disse:

–       Vou te ensinar a viver…

–       Como assim? Eu vou morrer…

–       Não vai não ! Eu prometo. Você vai conhecer o outro lado do mundo. O meu mundo, aquele que eu vivo e conheço, sei que vai gostar muito.

Naquela noite ele me levou para conhecer uma balada. Foi massa! Eu amei. Muitas luzes, achei super legal. Nunca tinha bebido nada de álcool… nessa noite eu bebi, achei muito, muito 10! Por alguns minutos eu esqueci que iria morrer.

As luzes da danceteria estavam apagadas, apenas os refletores com luzes azuis e vermelhas estavam reluzindo em direção ao centro do salão. A música era eletrônica e muitíssimo alta. Pedi ao barman um drink. Um copo alto com muito gelo, os copos dessa balada são bonitos, esse tinha detalhes, ficava mais fácil de segurá-lo, assim com a mão suada não haveria perigo de escorregar. Eu estava muito suada, dancei além da conta. Nem sabia dançar quando cheguei, mas o Felipe me ensinou. O experiente barman começou a fazer sua demonstração, fiquei lá, bem pertinho vendo tudo.  Estava hipnotizada com ele, é simplesmente maravilhoso. Pegou uma garrafa com rótulo branco e começou a girar em volta de sua cabeça, fazia caras e bocas. Uma outra transparente, pinga em outra mão, fazendo as duas rodarem em volta de seu corpo. O mais impressionante é que nenhuma delas foi ao chão.

 

Deixou as duas garrafas em suas mãos e em uma altura de uns 50cm as deitou de forma que o líquido caísse no copo ordenadamente. Deixou encher até o meio do grande copo, puxou as garrafas tão rapidamente que não consegui ver a bebida parar de entrar no copo…impressionante sua habilidade. Eu estava amando aquele lugar. Queria voltar mais vezes, assim poderia beber e esquecer meus problemas. Felipe sabia viver…

 

Muito gelo foi colocado em outros dois copos, agora azuis, um se encaixava no outro. Ele fez uma graça sambando como se fosse possível ouvir o barulho das pedras batendo nas paredes do copo, com a altura da música era impossível, mas a sensação de saber que isso estava acontecendo ele conseguiu. Separou os copos azuis e adicionou uma bebida vermelha. Eu queria aprender dançar o samba naquela noite.

Felipe me deu um sorriso, retribui com outro, pois estava vivendo a vida agora. Já que vou morrer que eu morra feliz.

Sua apresentação continuou. Equilibrou uma garrafa pequena em seu braço direito, no esquerdo havia outro copo. As vezes eu olhava para ele, outras vezes prestava atenção no movimento. Muita gente estava dentro daquele local pequeno. O cheiro do cigarro me deu um pouco de enjoo, mas logo me acostumei. Felipe pegou o drink para mim, sentamos em um sofá perto da porta. Ele me beijou como nunca antes. Eu estava apaixonada e querendo curtir a vida. Felipe estava me ensinando. Nem me preocupei com o que minha mãe iria falar, sua opinião já não me importava.

Fui até o banheiro, vi uma menina cheirando cocaína. Na hora tive vontade de experimentar, mas tive a sensação de que alguém estava me olhando. Senti medo, parecia que muitos olhares estavam sobre mim. Me olhei no espelho, minha maquiagem estava borrada. Uma garota de minissaia me ofereceu batom. Vermelho sangue, sim o batom era vermelho sangue. Agradeci e aceitei. Quando usei-o em minha boca, não me reconheci. Senti um vazio tão grande dentro de mim que parecia com um abismo sem fim. Tive a impressão de que Deus estava me olhando… parecia que Ele estava pesando seu olhar sobre minha cabeça. Fiquei mais revoltada ainda. Corri para o centro do salão e diante daquela música terrivelmente alta eu gritei:

– Não tenho medo de você! Eu não acredito em você! Eu te servi e agora tenho câncer! Não preciso de você em minha vida!

Felipe chegou perto de mim, me abraçou e dançamos a noite toda. Eu já estava muito bêbada quando voltei para casa…

 

Continua…

Autora: Meuri Luiza

Marina – Capítulo 4

 

Dois meses antes do meu casamento fiz os exames pré nupcial, já era para ter feito , mas não tive tempo, Deus sabia disso, eu trabalhava muito. Deus sabe de tudo e entende… ( era que eu achava)

Aparentemente eu estava bem, sentia algumas dores abdominais mas isso era porque não estava me alimentando no horário correto. Deveria ser gases como dizia minha avó, meu intestino era preso e eu sofria com isso.

Fui até o hospital e esperei o horário da minha consulta, seria muito rápido, era apenas para a doutora ler os meus exames. Fiquei ali, sentada perto da recepção. O hospital era particular, muita gente passando de um lado para o outro. Tinha um aparelho de televisão bem na minha frente, passava o noticiário. Uma senhora com a criança chorando o tempo todo do meu lado, um jovem com a perna quebrada esperando atendimento do seu retorno, sim porque o gesso estava todo escrito e com desenhos, então deveria ser o dia de tirá-lo. Havia uma mulher grávida, estava bem, poderia ser apenas o pré-natal. Não era hora de visitas, então as pessoas que estavam no local era para serem atendidas. Tinha um bebedouro perto da porta de entrada, eu estava com sede, caminhei calmamente até ele e me saciei.

Uma placa com sinal de proibido fumar perto da segunda porta de entrada, e outra com uma enfermeira fazendo sinal de silêncio. O chão cinza claro estava limpo, a faxineira acabara de passar com um enorme aparelho limpando. O cheiro de éter estava forte, me senti mal.  As paredes eram verde erva doce, dizem que essa cor acalma as pessoas. Do lado de fora da grande janela, tinha um jardim com plantas grandes e verdes, um senhor fazia o serviço de jardinagem, mexia com tanto carinho nas plantas e as podava, dava a impressão que conversava e conhecia cada uma. As folhas estavam vistosas e brilhantes, quando ele jogou água com uma mangueira grande dava a sensação de estar vendo o arco íris.

Vi um pai segurando sua filha, ela estava com febre, o rostinho todo vermelho. Dormia segura no colo dele. Nesse momento minha médica me chamou na sala para conversarmos. Caminhei calmamente até ela. Me pediu para sentar. Fez muitas perguntas e eu não estava entendendo nada.

– Minha querida quero repetir os exames para não diagnosticar erroneamente.

– Tem algo de errado comigo doutora?

– No seu exame consta uma anomalia que quero verificar.

Ela não me deu mais detalhes, apenas repeti todos os exames. Ficaria pronto em três dias.

Minha mãe também achou estranho, disse para eu ir até a igreja e pedir oração.

– Mãe eu não preciso de ninguém orando por mim, tenho fé, sei que Deus é grande e pode mudar qualquer situação, eu O conheço ! Sei que não tenho nada, além disso tenho que descansar um pouco.

– Marina, minha querida, o nosso coração é enganoso. Não podemos deixar o mal se alimentar e se fortalecer das emoções que ele nos oferece. Se você tem mágoa, rancor, tristezas, malícia dentro do coração, então o mal senta e se apodera de você, pois está dando para ele a fonte de energia. Da mesma forma é com Deus, quando agimos pela razão, fé. Não damos brechas para sermos enganadas.

– Mãe, eu sei bem quem sou, não preciso de orientações.

Saí com muita raiva daquela situação.

O dia do retorno chegou e a doutora Deise olhou novamente os papeis e os examinou cuidadosamente. Respirou fundo e fez uma ligação. Pediu para que eu esperasse no lado de fora.

Já estava ficando impaciente com aquilo, era só me falar o resultado e eu iria embora, tinha as lojas para gerenciar. Era quarta-feira porém como eu estava cansada não iria na minha igreja, precisava descansar, Deus entende…

Ela me chamou de novo em sua sala, sentou-se ao meu lado e segurou a minha mão.

Comecei a ficar preocupada, o seu olhar não era bom.

– Marina minha querida, vou encaminhá-la ao melhor médico que conheço, é meu amigo e sei que ele irá te ajudar.

– Por que?

– Ele irá te explicar melhor. Vamos até lá.

A doutora Deise me levou até sala ao lado e me apresentou ao doutor Tadeu. Um senhor que usava óculos e bigode, estava com um avental branco e era muito calmo no falar. Ele sorriu para mim e pediu que me sentasse. Doutora Deise me deu um beijo e saiu.

Meu coração ficou gelado porque estava tudo estranho, as pessoas estavam estranhas comigo, não estava entendendo nada. Comecei a suar.

– Marina, estou com seus exames nas mãos e a doutora Deise, minha amiga, pediu que de agora em diante te acompanhasse. Você tem plano de saúde e ele cobre todas as despesas.

– Doutor Tadeu, por favor deixe de rodeios e comece a falar o que eu tenho. Não estou entendendo nada.

– Seus exames deram alteração nas células. Isso significa que você está com câncer no intestino, por isso tem dores abdominais tão fortes. Sua perda de peso também é significante.

Fiquei sem fala…

Ele me deu um copo de água…

Me lembrei de uma senhora que uma vez chegou na igreja com câncer, eu orei nela e ela foi curada. Naquele momento eu usei a fé e ela colocou aquela bola de pus para fora. Tinha um cheiro muito forte…  Me lembrei também de um jovem que estava com a mesma doença, mas ele morreu…

– Doutor, tem certeza disso?

Continua…

 

Autora: Meuri Luiza

Marina – Capítulo 3

 

 

Um dia encontrei com aquele homem no centro da cidade, sem pensar passei para o outro lado da calçada. Não queria cumprimenta-lo. Não queria ve-lo, não queria ouvir sua voz, não queria ele perto de mim.

Insisti no namoro e começamos então uma relação séria. Felipe era muito atencioso e cuidadoso comigo.

Comecei a trabalhar para comprar meus móveis para o casamento. Consegui um emprego em uma loja conceituada de sapatos. Eu era a melhor vendedora da loja, como sempre. Em tudo o que eu fazia Deus me abençoava… eu era Dele. A dona da loja me observou e me colocou como gerente, disse que com meu empenho poderia cuidar das outras meninas. Ela nunca viu alguém trabalhar tão bem como eu trabalhava, e seguindo assim poderia cuidar das outras lojas dela quando não estivesse no Brasil. Sim porque ela viajava muito. Era uma mulher muito influente e culta. Trazia novidades lindíssimas para a loja. Tinha cada bolsa maravilhosa que combinava com o cinto e com o sapato. As vezes eu queria comprar tudo. Sempre fui muito econômica e consciente dos meus gastos, mas nesse mês gastei o que não devia. Até minha mãe achou estranho, porque eu nunca ligava para marcas e nem para coisas que combinavam. Eu gostava mesmo era de evangelizar ,de cuidar do povo. Mas sabe como é …Deus sabe que eu tenho que trabalhar e andar muito bem arrumada.

 

Comecei a trabalhar aos domingos pela manhã. Cuidava de duas lojas no shopping. O trabalho era tanto que mal dava tempo de almoçar. Assim sendo deixei de jejuar, Deus também sabia que eu tinha que me alimentar para ficar forte no trabalho. Imaginem uma gerente bem conceituada como eu desmaiar de fome no meio da loja…não ficaria bem. Comecei assistir as reuniões do domingo a noite.

 

Sete meses se passaram, e me sentia triste. Eu não sabia o motivo, mas meu coração estava triste. As coisas do meu casamento estavam prontas, meu vestido era lindo. Foi feito um vestido desenhado por uma estilista amiga minha. Tinha muitas pedrarias. Duas saias de tafetá branco com detalhes em dourado. O véu da cabeça era de quatro metros.  Quis aquele que cobre o rosto. Meu buque era de orquídeas brancas, simplesmente maravilhoso. Comprei um sapato baixo, queria conforto.

No dia da ultima prova do vestido, fui de carro. Eu havia comprado um carro, estava ganhando muito bem. No caminho fiquei ouvindo musicas bem agitadas, parece que me acalmava, eu andava meio nervosa. Deveria ser por causa dos preparativos da festa.

Cheguei na loja e a vendedora me levou direto para a costureira dar os últimos ajustes. Sozinha no provador eu chorei. Não sei porque mas chorei.  Uma dor na minha alma, não consiguia explicar. Sempre fui fiel a Deus, temente a Ele, nunca havia sentido essa dor dentro do meu peito. Não estava entendendo nada, era o dia mais feliz da minha vida e estava triste. ( antigamente o dia mais feliz da minha vida foi quando recebi o Espírito de Deus…)

A costureira fez o ajuste final. Estava tudo pronto. Eu me casaria dentre quatro semanas. Passei na floricultura para ver o restante da decoração. Comprei tudo branco e rosa. Pedi para ser colocado luzes no corredor ao lado do tapete vermelho que seria coberto por pétalas de rosas. Um violinista iria fazer minha entrada com a musica do titanic, era minha musica preferida. Fiquei perto de um ramalhete lindo de flores, me abaixei para sentir o seu perfume, passei as mãos em outras flores, tinha um toque de veludo. Um aperto na minha alma, vontade de chorar, angustia, não queria ver ninguém, não queria falar com ninguém.

Felipe me ligou, estava me esperando no restaurante. Havíamos combinado de almoçar juntos naquele dia. Me despedi da florista e fui até ele. Era um lugar bem aconchegante, bonito. Como de costume pedi o meu risoto de frutos do mar, ele a carne grelhada com salada. Sempre a mesma coisa. Tomamos suco de caju bem geladinho.

Felipe segurou a minha mão e disse que me amava. Minha voz embargou na hora, eu não consegui dizer o mesmo. Olhei para ele e não senti a mesma coisa que sentia ontem. Parece que estava em dúvidas em relação a minha vida sentimental. Será que não amo mais ele? Será que é correto me casar? Porque sinto um vazio dentro do meu peito? Mas eu sabia que era  Felipe o homem da minha vida. Ele era muito carinhoso e perfeito para mim. Eu estava com uma faca em meu coração e não sabia o motivo.

Comemos a comida e voltei para o trabalho. Nesse dia arrebentei de tanto vender. Tirei o que nunca havia tirado. Em um dia de trabalho vendi o relativo a duas semanas de vendas. Eu era a maior vendedora daquela empresa. A dona me deu uma comissão muito grande. Paguei a festa do meu casamento e ainda sobrou troco para comprar uma bolsa de marca.

Fui para casa, entrei direto no meu quarto, pequei um urso de pelúcia que sempre fica em cima da minha cama e o abracei. Chorei muito. Meus olhos não conseguiam abrir de tão inchados que ficaram. Nem mesmo eu sei porque chorei tanto. Não tinha problemas, eu ganhava muito bem. Minha casa estava pronta, meus móveis todos pagos, minha festa… tudo estava em ordem, mas algo no meu coração duvidava, ardia, tinha alguma coisa dentro de mim que eu não sabia o que era.

Fui até a igreja e trabalhei na reunião. Não saiu virtude de dentro de mim, ninguém me procurou para orientação. Antes, fazia fila para eu atender. Voltei para casa, vazia e angustiada.

Continua…

Autora: Meuri Luiza

Marina – Capítulo 2

Um ano se passou e percebi que ele estava firme nas reuniões, parecia muito mais fortalecido, percebi também que algo diferente estava acontecendo conosco. Acho que eu estava gostando dele e ele de mim.

Relutei com isso e não quis dar trela para esse sentimento, achava que era muito nova ainda para pensar em me casar. Primeiro a faculdade, depois o casamento.

Fomos a uma reunião de jovens, foi muito bacana e proveitosa. Muitas musicas legais, até remix de outras musicas foi feito. Eu achei o máximo. Depois fomos ao shopping com um grupo de amigos tomar um sorvete. Estava passando um filme que eu queria muito ver. Quatro dos nossos amigos quiseram assistir, três deles não. Então nos dividimos. Felipe como sempre a simpatia em pessoa, comprou os ingressos para mim e para ele. Eu quis pipoca com guaraná. Um chocolate de quebra e gomas de mascar. Quando a gente vai para o cinema tem que entrar com tudo de comer. É muito mais gostoso. Já percebeu que a pipoca do cinema tem cheiro e gosto diferente daquelas que a gente faz em casa? Eu também acho. O filme era comédia romântica. No inicio a gente riu muito. Como já disse estávamos em quatro. Dois deles sentaram na fileira da frente, Felipe me puxou para a fileira de trás. Antes de começar o filme ficamos rindo da minha sandália de borracha que reluzia no escuro, era do tipo neon… cor abóbora…

Muito bem, o filme começou. Eu já havia comido o chocolate, bebido o guaraná e estava na metade do pacote combo da pipoca, quando aconteceu o inesperado para mim. Felipe pegou meu rosto e me deu um beijo. Disse bem baixinho no meu ouvido…”estou apaixonado por você… eu te amo mais que tudo, você é a mulher da minha vida, casa comigo”.

Meu coração disparou, meu rosto pegou fogo, minhas mãos suaram, fiquei sem chão, minhas pernas sumiram de mim, eu não sentia mais elas, porém eu gostei do beijo. De imediato não quis continuar…mas gostei do beijo…

E agora? Como vou contar para meu pastor que fui beijada?

Bom ele não precisa saber, afinal eu sou maior de idade e estou bem com Deus. Ele vai entender. Peço perdão em casa e recomeço tudo de novo. Sem problema, foi só um beijo.

Falei com ele que para me namorar teria que falar com o meu pastor e com meus pais.

Claro que ele aceitou. Estava me amando… e eu a ele…

Um pequeno detalhe. Lembra no início do meu relato que eu disse que fazia votos para ter um homem de Deus ao meu lado? Eu acreditei que era ele. Acreditei mesmo!

No dia seguinte fomos falar com minha mãe. Ela não aceitou muito bem, mas como sempre fui muito responsável, ela deixou.

No domingo a noite Felipe procurou o meu pastor. Disse que gostaria de me namorar. O pastor da igreja disse que éramos livres, poderíamos fazer o que quiséssemos, porém não daria certo, aquele relacionamento não era de Deus. Disse que éramos muito diferentes um do outro e que nossos objetivos não eram os mesmos…

O quê?

Porque não daria certo? O que tem de errado eu ficar com Felipe? Fiquei revoltada com aquilo. Sempre fui uma pessoa idônea e correta com Deus, porque eu não poderia ser feliz então? Eu não entendi nada!! Quero e vou namorar com ele sim! O que tem de errado com o Felipe? Ele está se firmando com Deus, eu sei, eu o conheço muito bem!

Aí começou a desgraça na minha vida… o diabo sutilmente entrou no meu coração… ( choro )

Eu fiquei muito chateada, afinal de contas sempre estava a disposição de tudo e agora que estou realmente querendo ser abençoada ele me diz que não é de Deus ! Quem ele pensa que é? Tudo bem que eu decido o que devo fazer. As pessoas apenas nos orientam.

Nem percebi, mas meu coração ficou machucado. Deixei de assistir as reuniões daquele homem e passei assistir de outro pastor. Eu não conseguia entender o que ele falava. Toda vez que eu olhava para ele lembrava de suas palavras,  que Deus tinha alguém especial preparado para mim, que tinha um plano para minha vida, que aquele não era o momento certo. Eu sabia qual era o momento certo e sabia também que era o Felipe! Pronto e acabou!

Continua…

Autora: Méuri Luiza

Marina – Capítulo 1

Entrei na igreja ainda criança, sempre frequentei a escolinha e era uma menina muito usada por Deus. Por tantas vezes na escola que eu frequentava ensinava a professora a respeito do Deus vivo e tantas foram as vezes que ela e outras crianças quiseram me dar o nome para oração.

Incrível como uma criança pode fazer Deus agir na vida das pessoas. Eu falava e todo mundo parava para ouvir. Sempre fui uma benção na vida da minha mãe. Ela sempre teve muito orgulho de mim.

Fui crescendo e minha vida com Deus também. Me tornei obreira. Me lembro como  fosse hoje o dia em que coloquei o meu primeiro uniforme. Minha mãe me ajudou a ajustar minha saia. Lustrou os meus sapatos e fez uma linda trança no meu cabelo. Fui para a igreja muito linda. O Espírito de Deus pairava sobre mim.

Minha primeira reunião de uniforme, foi tão lindo. Via nos olhos de minha mãe a alegria de sua filha estar servindo ao Seu Deus e agora também o meu Deus.

Minha mãe lutou muito por mim. Não tive pai, eles se separaram eu ainda era criança, depois quando tinha 1 ano ele veio a falecer. Bebia e cheirava drogas. Minha mãe foi liberta antes de eu nascer. Graças a Deus por isso. Ela é uma mulher temente a Deus. Se casou novamente quando eu tinha apenas 3 anos, por isso eu considero Mário como pai, chamo de pai, porque ele é um verdadeiro amigo para mim. Ele é convertido e os dois se dão muito bem.

O tempo foi passando e cada vez mais Deus me usava. Quantas pessoas eu trouxe para a igreja. Fazia caravanas para trazer os doentes, os coxos, os leprosos, as prostitutas, os homossexuais… minhas mãos curaram muita gente. Minha palavra dava animo às pessoas, porque Deus falava através de mim. Meu semblante era resplandecente. Sempre queria mais de Deus, pedia em minhas orações a porção dobrada do Espírito de Deus. Sei que eu pertencia à Ele e Ele era comigo.

Eu fazia faculdade de economia, estudava muito, nunca tive um relacionamento. Nunca namorei ninguém, eu queria um homem de Deus para me casar. Queria alguém temente a Deus, porque sabia que com o casamento não poderia brincar. Meus votos eram voltados para isso também, queria alguém preparado por Deus.

Um belo dia, entrei na internet para fazer meu trabalho de economia, eu tinha que entrega-lo na semana seguinte, como sempre fui uma ótima aluna queria adianta-lo. Fiquei durante horas procurando o que escrever naquela folha branca. Eu escrevia e apagava, escrevia e apagava, parece que nada vinha em minha mente. As pesquisas eram muito fracas, eu tinha que tirar uma ótima nota, afinal era a minha reputação no colégio. Eu era conhecida como a menina estudiosa, aquela que todo mundo quer sentar ao lado no dia de prova… para fazer uma colinha, ( risos ) mas sem demagogia eu sempre fui boa nos estudos. Deus estava comigo sempre.

Joguei então a pergunta na internet para ver as respostas. Sim aquela que a gente coloca uma pergunta e muita gente responde. Encontrei várias respostas e a melhor foi de um rapaz que também fazia economia na mesma faculdade que eu, estava dois anos a frente.

Ele foi muito bacana, estava online naquela hora e me respondeu rapidinho. Foi muito objetivo e me ajudou muito. Eu o agradeci e muito simpático disse que sempre que eu precisasse poderia falar com ele. Até me deu o seu endereço de e-mail.

Pensei então que poderia ser uma boa ideia, afinal ele parecia muito inteligente. Não faria mal ter um professor online de vez em quando.

Passou-se um mês e novamente lá estava eu com uma dúvida naquele bendito papel branco em cima da minha mesa. Uma caneta azul e outra vermelha e nada conseguia escrever. Parece que minha mente estava travada em relação a matéria. Lembrei-me do rapaz. Procurei em minha caixa de contatos o endereço dele. Digitei vagarosamente, algo me dizia para procurar o que escrever em outro lugar, afinal eu tinha que fazer o trabalho, mas poderia ver em outros sites. Achei que era o diabo falando no meu ouvido para não falar de Jesus para aquele rapaz.

Resolvi continuar e apertei enter. Pronto, a mensagem foi enviada. Parecia brincadeira, mas ele me respondeu 3 minutos depois. Fiquei impressionada com a rapidez dele. A mensagem dizia:

– Boa noite dona Marina, a senhora precisa dessa reportagem que fala sobre a economia nos EUA, irá lhe dar uma ideia sobre o que seu professor quer.

Meu Deus, que rapaz inteligente e muito simpático.

– Por favor, Sr. Felipe não precisa me chamar de senhora, tenho apenas 18 anos ( risos )

– Muito bem, então não precisa você também me chamar de senhor, porque eu tenho 21 anos.

A conversa foi rápida e ele me passou os dados alarmantes da economia brasileira e de como o governo deseja driblar a mídia para não assustar o povo.

Assim foi durante o ano todo, sempre que precisava escrevia para o Felipe e ele me ajudava. Durante oito meses ele sempre me dando aulas online sem cobrar nada.

Um dia resolvi convidá-lo para vir comigo na igreja. Disse que era obreira e serva de Deus. Ele como sempre muito simpático me falou que achava mesmo que eu deveria ser de  Deus por causa do meu comportamento diferente de outras meninas. Eu era uma pessoa no qual todo homem desejava casar. Uma mulher virtuosa.

Novamente fiquei impressionada, ele conhecia o que era mulher virtuosa. Continuando a conversa me falou que era ex obreiro da igreja e estava lutando para voltar. A oportunidade já estava as portas. É claro que ele demorou um pouco mas foi comigo para a nossa igreja em um domingo a noite.

Felipe é um rapaz muito educado, muito simpático e de uma inteligência incrível. Começou ir comigo toda semana, sempre aos domingos a noite. Eu continuei escrevendo para ele quando tinha dúvidas. Nossa amizade foi se fortalecendo, ele falava a mesma língua que eu nos estudos e por consequência eu queria ajuda-lo, queria que voltasse para Deus.

Continua…

Autora: Méuri Luiza